Operações da PF mudam rotina do condomínio Parque Cidade Jardim

Os nove prédios que compõem o condomínio Parque Cidade Jardim, com apartamentos que custam de R$ 5 milhões a R$ 20 milhões, têm um perfume que foi desenvolvido especialmente para dar um ar exclusivo aos halls, bibliotecas, cinema privativo e spa.

O aroma doce não esconde, entretanto, outro cheiro nos últimos meses: o de furdunço condominial.

Duas prisões da Operação Lava-Jato e uma da Zelotes, ambas da Polícia Federal, foram feitas dentro do empreendimento de altíssimo luxo.

"Nunca a vida de pessoas que se consideravam protegidas foi tão exposta", sintetiza uma moradora do condomínio, às margens da marginal Pinheiros (zona oeste), onde moram cerca de 300 famílias.

Divulgação
Condomínio de luxo Parque Cidade Jardim, localizado na zona oeste de São Paulo
Condomínio de luxo Parque Cidade Jardim, localizado na zona oeste de São Paulo

A sãopaulo visitou os prédios e encontrou alguns moradores longe de casa para ouvir o que eles viveram durante as operações policiais. A maioria deles aceitou relatar o que aconteceu desde que sua identidade fosse preservada. "Esses fatos mudaram completamente o clima do nosso lar", afirma a mesma moradora, que trabalha no mercado de arte.

Sobrenomes como Prada e Chanel, das lojas de luxo presentes no shopping adjacente aos residenciais, aos quais é ligado por uma entrada exclusiva, foram substituídos nas rodas de conversa por outros como Moro -de Sergio Moro, o juiz federal responsável pela Lava Jato. "Eu não lia muito sobre política, mas, de repente, virou assunto de condomínio", diz o dono de um restaurante.

Tudo começou em 16 de março de 2015, uma segunda-feira chuvosa, quando um grupo desconhecido estacionou seus veículos na frente da portaria, na rua Armando Petrella.

Alguns moradores notaram a movimentação e começaram a se comunicar via mensagens -cada torre tem um grupo fechado no aplicativo WhatsApp, para resolver problemas rápidos e fazer as vezes de reunião de condomínio. Nos dias em que a polícia entrou no prédio, condôminos fizeram e trocaram fotos e vídeos da ação -classificada em mensagens como "deprimente, uma invasão da nossa privacidade" por uma condômina e de "uma vitória maior do que a do Corinthians no Brasileirão" por outro.

Os policiais foram apelidados nesses grupos de Homens de Preto, alcunha que permanece até hoje. Dos carros saíram os agentes com um mandado de prisão no nome de Adir Assad e a apreensão de seus bens.

Assad era um nome famoso na vizinhança. Até 2007, trabalhou com entretenimento e foi um dos nomes responsáveis pela vinda da cantora Beyoncé e da banda U2 ao Brasil. Por mais que não estivesse mais no show business, quando se mudou para o Cidade Jardim, sua aura de boas relações com artistas o seguiu.

Vizinhos contam que torciam para encontrá-lo nas áreas comuns acompanhado por algum artista de primeiro escalão que havia sido convidado para um jantar em sua casa. "Dizem até que a cantora Shakira veio num jantar aqui", especula a vizinha que comercializa arte.

Miguel Pereira Neto, advogado de Assad, afirmou que ele não se manifestaria sobre o assunto.

Não é que tudo eram flores até então nos prédios de 26 ou 27 andares com nomes de plantas, como Begônias, Magnólias e Manacás.

A política da boa vizinhança já havia sido maculada, em dezembro de 2013, meses antes da prisão de Assad. Foi quando o vizinho apareceu na capa da revista "Veja" ao lado da chamada "O Rei dos Laranjas", com uma coroa feita com a casca da fruta cítrica. A reportagem narrava como, de acordo com informações da PF, ele teria conseguido lucrar mais de R$ 1 bilhão com uma rede de empresas que, na verdade, encobria um esquema de propinas.

Na segunda-feira após a publicação da revista, os exemplares do lobby do prédio haviam desaparecido, segundo o relato de moradores.

"Eu tratei de mandar a capa para um grupo de WhatsApp que tinha com amigas. Todos precisavam ver!", afirma a moradora de um dos maiores apartamentos do local.

Ela também narra ter mandado o seu motorista a bancas de jornal da região para comprar dezenas de exemplares da revista, para que fossem espalhados pelas mesas de áreas comuns dos nove prédios.

Foram nessas mesmas áreas comuns que os policiais tiveram de esperar por alguns minutos até conseguirem senha numérica que cada um dos moradores tem para que os elevadores funcionem -sem o código, é impossível subir aos apartamentos.

SÉRIE POLICIAL

Uma das fotos de operação mais compartilhada foi a das quatro vagas de garagem de um dos presos, interditadas pela polícia, no dia da ação. "Colocaram umas faixas amarelas, dessas de isolar cadáver em série policial. Que vergonha!", conta um empresário que não precisa necessariamente passar pela garagem para entrar e sair de casa -seu apartamento tem um heliponto.

Procurada, a Itambé, empresa que administra o condomínio Parque Cidade Jardim, não se manifestou.

Em maio deste ano, quando voltaram ao conjunto de prédios para prender o empresário Milton Pascowitch, os agentes da Polícia Federal já estavam escolados. Tinham a senha para subir ao seu andar -não se sabe se passada por funcionários ou emprestada por outros moradores do local, como sugerem alguns.

Após levarem Pascowitch algemado, os agentes começaram a fazer o inventário das obras de arte que ele tinha no seu apartamento e a levá-las de lá. Fotografias de Miguel Rio Branco, telas de Nelson Leirner e clássicos como Di Cavalcanti e Iberê Camargo tomaram o elevador no sentido da rua. Quando "Roda de Samba", tela do pintor Heitor dos Prazeres, já estava na rua, um empresário encostava seu carro utilitário na garagem. "Parecia uma cena da Segunda Guerra Mundial, de roubo de obras de arte. Se bem que era um 'desrroubo', né?", pondera ele.

Houve quem descesse para ver a retirada das obras. "Meu telefone não parava de piscar, conforme iam chegando as novas mensagens com fotos. Era um Louvre dentro de uma casa", diz uma produtora de eventos.

Para o Ministério Público Federal, as obras eram usadas para lavar dinheiro oriundo do esquema de corrupção em contratos da Petrobras.

O acervo pessoal de 48 obras está sob a guarda do Museu Oscar Niemeyer, no Paraná, e pode ser visto pelo público, já que o pedido de reapropriação do proprietário anterior foi negado pela Justiça.

Em 30 de junho, após aderir ao programa de delação premiada e compartilhar com o Estado informações que poderiam levar a investigação mais a fundo, Pascowitch teve sua pena transformada em prisão domiciliar. Cumpre dois anos sem poder nem sequer dar uma volta no shopping. Ele está sendo vigiado por uma tornozeleira eletrônica.

"É constrangedor ter que cruzar com um presidiário na minha própria casa. Eu me recuso a dividir elevador com ele, e não disfarço", diz o dono de uma rede de restaurantes. O advogado de Pascowitch, Theodomiro Dias Neto, afirmou que seu cliente não se pronunciaria.

Tempos depois, em agosto, alguns ânimos ainda não haviam se acalmado. "Durante um panelaço, batia os pés no chão no mesmo ritmo que a colher batia na panela. Queria que a família dele [que mora pisos abaixo] ouvisse a minha indignação", diz a vizinha do mercado têxtil.

Moradoras famosas, como a apresentadora Luciana Gimenez e a atriz Mariana Kupfer, declinaram do pedido de comentar o assunto.

OÁSIS

A paz parecia ter invadido as varandas gourmets do empreendimento até que, em outubro, os homens de preto voltaram. Mas era uma equipe diferente -a da Operação Zelotes.

O lobista Mauro Marcondes, suspeito de participação em um esquema de compra de parlamentares, foi preso lá dentro pela PF. Sua vida orbitava no conjunto, já que ele havia aberto uma empresa de "diplomacia corporativa", eufemismo para lobby, na torre comercial do mesmo empreendimento imobiliário.

A terceira prisão foi a mais rápida de todas, dizem condôminos que estavam presentes. Foram 20 minutos entre a prisão e não se ver mais nenhum policial no piso de mármore.

Depois disso, a frequência com que o WhatsApp é usado para falar de política caiu: "Agora, só quando tem alguma notícia de que um deles vai ser solto. Ou para mandar piadas sobre a Dilma. Isso ainda tem bastante", conta um morador.

Mas o furdunço não alcançou todos os vizinhos. A apresentadora Ticiane Pinheiro, 39, diz nem ter ficado sabendo da movimentação.

"Não fazia ideia de que isso tinha acontecido", afirma o empresário Marcos Quintela, um dos primeiros a se mudar para lá, em 2008. Ele posou para foto na capa da então "Revista da Folha" sobre como era morar em um shopping. Quintela ainda só vê vantagens de estar ali: "A vida aqui dentro é muito boa'. É um oásis mesmo".

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