Tour pelos grafites de SP atrai gringos e tem promoção para paulistanos

"Me encanta! Me encanta!". A espanhola Altea Antón, 20, está tão animada que quase chora. "Não acredito que estou vendo isso! Es increíble." Ela saca a Kodak analógica para registrar o momento. O segurança do estacionamento em que está a observa com curiosidade, enquanto um carro manobra para sair da vaga.

O que emociona a estudante de Belas Artes não são quadros de Miró ou Goya. Ela pira no trabalho dos grafiteiros ucranianos Aleksei e Waone Interesni Kazki, feito na lateral de um prédio na República.

O painel fez parte do O.bra, festival internacional de arte de rua, que aconteceu em 2015. E é uma das paradas do tour da Streets of São Paulo, empresa do grafiteiro Thiago Ritual, 30, que leva pessoas para conhecer os desenhos nos muros, portas e janelas da cidade.

As três opções de roteiro –centro, Santana e Vila Madalena– são dominadas pelos gringos, mas o objetivo de Thiago é atrair também paulistanos interessados em conhecer as histórias por trás dos escritos. Em março, quem mostrar RG ou comprovante de residência paga só metade do valor do passeio, de R$ 50.

Altea e outros cinco estrangeiros –dois espanhóis e três suecas– fazem parte do grupo que a sãopaulo acompanhou no tour pelo centro.

No passeio de duas horas, a espanhola explica o que a encanta nas imagens. "É arte que não está no museu, que todos podem ver. Gosto de saber o que meus contemporâneos estão fazendo, não alguém que morreu há 200 anos!"

Não são só os painéis do festival que impressionam os estrangeiros. Prédios ocupados, moradores de rua debaixo do viaduto Santa Efigênia, pichações em prédios, em bancas de jornais, na frente de lojas, nas janelas, nas marquises, nos viadutos, nos postes –em todos os lugares. "Não há nada parecido na Suécia", diz a rapper Karin Sandberg, 26.

Em São Paulo para compor letras de hip hop com as outras integrantes do grupo Twat (gíria que significa vagina...), Karin mostra a foto do primeiro "pixo" (com x, mesmo, uma forma específica de pichação) que viu na vida, há alguns meses: letras na lateral de sua escola de hip hop em Malmo, no sul do país. "Foi um menino de Hé-li-ou-po-lis. Achei muito bonito!"

A LÓGICA DO PIXO

Nas paradas para ver a pichação, Thiago Ritual, que também é guia, explica o significado das expressões e a lógica dos pichadores.

As letras são baseadas nos logotipos de bandas de heavy metal e as palavras normalmente remetem a algo que oprime o pichador. Não é difícil ler "violência" e "perigo" por aí. Cada turma tem uma sigla ou código que repete pela cidade. Isso normalmente vai com a assinatura do autor e as iniciais dos "parças".

Uma das histórias mais interessantes é a do paulistano Rafael Augustaitiz, o Opus 666, "uma lenda no ramo". "O cara estudava arte e apresentou como trabalho final do curso um ataque de "pixo" à faculdade em 2008", conta Ritual.

Opus é conhecido por se pendurar em prédios para pichar, a exemplo de um na avenida Rio Branco, onde todos param para uma foto.

O guia também consegue reconhecer o trabalho de cada grafiteiro. Na República, no Anhangabaú e no Arouche, mostrou desenhos de Speto, Kobra e Cranio, que já têm carreira internacional e expõem em galerias europeias e americanas, mas ainda pintam nas paredes paulistanas –um tipo de fidelidade à finalidade política dos desenhos. "Muita gente não sabe, mas [a dupla de grafiteiros] Osgemeos estão na galeria e continuam fazendo produção ilegal, pintando trem."

Para Ritual, mais do que conhecer artistas celebrados internacionalmente sem pagar entrada, ver o grafite é olhar para os lugares esquecidos da cidade. "Onde está o 'pixo'? Em lugares largados, onde não tem restauração. O 'pixo' não é nada mais do que mais uma agressão que chama atenção para outra. Incomoda a polícia e algumas pessoas, mas o fim é expressão política."

Mas não importuna os estrangeiros. É, aliás, uma das primeiras coisas que veem quando chegam à São Paulo e ainda os intriga quando vão embora, diz o guia. No último dia na cidade, a sueca Karin chegou a uma conclusão um tanto polêmica. "Gostei mais do que do Rio. Tem muitos prédios, mas eles são coloridos."

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ESCOLHA O ROLÊ

Centro - O tour passa pelo vale do Anhangabaú e pelo Arouche, antes de chegar à República, em passeio que fala bastante sobre a pichação na cidade. Os destaques são os murais do festival O.bra (foto), que reuniu nomes importantes do grafite.

Santana e Liberdade - Como todos os tours, tem o Theatro Municipal como ponto de partida antes de pegar o metrô rumo a Santana. Lá, está o Museu Aberto de Arte Urbana (foto), que reúne nomes como Speto, Binho Ribeiro, Chivitz, Minhau e Highraff. O passeio também inclui desenhos ilegais, que estão fora do museu. Outro ponto alto é o mural que os Osgemeos fizeram em 2002 na alça de acesso da avenida 23 de Maio para o Minhocão, em parceria com Nunca, Nina Pandolfo, Vitché e Herbert Baglione. O mural foi apagado e, depois de muita polêmica, repintado. A discussão é retratada no documentário "Cidade Cinza" (2013).

Vila Madalena - O principal atrativo são os murais na avenida Sumaré, onde está o trabalho de Alexandre da Hora, o Niggaz, um dos precursores do grafite na cidade. Passa também pelo beco do Batman (foto) e galerias de arte como a A7MA.

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