Análise: Incorporadora faz arquitetura "do bem" olhando muito bem a quem

Zarvos teve uma ideia, 11 anos atrás: criar prédios que não fossem beges nem levassem Jardin de Tuileries como nome. Começaram a aparecer na Vila Madalena edifícios de formas inventivas e aparência minimalista, com um toque colorido aqui e ali. Eles têm o mérito de combater o exército de neoclássicos que domina as regiões ricas da cidade, armados com suas colunas jônicas e acabamento de cornijas. Ponto para Zarvos. Mas, até aí, caixas de sapato de concreto armado também venceriam de lavada esse inimigo que ficou para trás nas pranchetas dos arquitetos de renome, mas ainda pinica os olhos.

A proposta estética ali rima com a de vida dos "criativos" que tomaram a Vila nas últimas duas décadas. Uma vida do bem, ecologicamente correta, com pouco consumo, de preferência de suco verde detox. O fetiche da terminologia inunda as propagandas da incorporadora, que fala usando expressões como "cômodos modulares" e "work loft". Parece que se embebedam do próprio conceito. Em bom português, o metro quadrado é mais caro do que a média e esses prédios rejeitam o modelo misto de cidade, que funde comércio, serviço e residência em um só imóvel. Igual aos odiados neoclássicos.

A IdeaZarvos! promete estrear neste ano na Habitação de Mercado Popular, para gente que ganha menos de R$ 8.800 por mês —ou todas as classes que não são a A, seguindo o Critério Brasil. Porque os demais são só para classe AAA, como o 360° ou o Oka, ambos colírios projetados por Isay Weinfeld. O dinheiro ali foi bem aproveitado e se transformou em janelas piso-teto e construções inteiras orientadas para onde a vista é melhor —ou menos pior, em se tratando de São Paulo.

Mas para cada projeto vistoso há outro que precisa de manual de instruções para ser considerado interessante. Como o Módulo Rebouças, uma caixa envidraçada cuja fachada com cor em ângulos retos parece uma imagem do jogo Tetris e faz o prédio tão esteticamente atraente quanto a avenida em que se situa. Isso para não falar do mais polêmico de todos: o Mix 422, apelidado por um amigo arquiteto de a "Grande Muralha da Vila Madalena".

A estética da Zarvos faz brilhar os olhos de quem reza cinco vezes ao dia voltado para o Vale do Silício. Mas e para quem mora na maior e mais caótica cidade abaixo da linha do Equador? Os prédios-obras-de-arte vão de braços abertíssimos em direção à especulação.

Uma vida "do bem", mas para poucos.

Publicidade
Publicidade