'Não consigo ficar sem rabiscar', diz o designer gráfico Kiko Farkas enquanto rabisca

Com um lápis na mão e uma folha em branco à frente, Ricardo Farkas contou sua história. E também a desenhou, como se materializando as próprias sinapses daquela hora e meia de conversa.

Eram 11h de uma sexta-feira e, enquanto falava, o designer gráfico e ilustrador preencheu com datas, nomes e formas a lâmina de papel que trouxe consigo.

"Não consigo ficar sem rabiscar", explica o responsável pelo Máquina Estúdio –escritório de projetos gráficos e editoriais fundado em 1987 e de onde saíram cartazes para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, programas de óperas do Municipal, capas de livros publicados pela Companhia das Letras e a Marca Brasil (logotipo usado pela Embratur na promoção do turismo no exterior).

Thays Bittar/Folhapress
Designer paulistano Kiko Farkas aponta para torre de Lego sobre estante em sala de seu escritório Máquina Estúdio
Designer Kiko Farkas aponta para torre de Lego sobre estante em seu escritório Máquina Estúdio

Sempre foi assim, conta o corintiano e amante de Lego nascido em 15 de novembro de 1957. Desde quando, ainda criança, desenhava nas paredes das casas onde viveu até se formar arquiteto na FAU-USP, em 1981, depois de um ano de estudo em Nova York.

"Sempre gostei de desenhar, e o desenho foi minha porta de entrada para o design. Não existia escola de design na época", lembra.

"Ter cursado a FAU foi muito legal porque me deu um enfoque bem projetista da profissão. Do design como algo altamente associado à produção industrial, e não artesanal", diz o filho de Melanie e Thomaz Farkas (1924-2011; ativo membro do Foto Cine Clube Bandeirante, centro paulistano de experimentação fotográfica fundado em 1939).

A família de Kiko, de origem húngara, sempre esteve ligada à imagem. Seu avô, Desidério Farkas, fundou a Fotoptica (criada nos anos 1920, depois vendida e que atualmente funciona sem o "p" mudo no nome).

Seus irmãos, João e Pedro, trabalham com fotografia e cinema. Deco Farkas, seu filho, é grafiteiro; outro rebento, Guilherme, é formado em cinema. Sua atual mulher, Carla Caffé, com quem é casado desde 2002, é artista.

Mas apesar da formação, Kiko só fez dois projetos arquitetônicos na vida. Um foi uma casa de sítio para o irmão.

O outro, a reforma do interior do prédio em Pinheiros, onde, de 1987 a 1997, funcionou a Galeria Fotoptica –e no qual hoje funcionam empresas no esquema "coworking". Uma delas é a sede do Máquina Estúdio, no qual Kiko prefere trabalhar com equipes reduzidas.

"Para um ver o trabalho do outro", diz. Atualmente, o escritório tem dois assistentes. "O dia em que eu tiver que passar memorando para um funcionário meu estúdio acaba. Preciso ter contato intenso com as pessoas."

A mania pode ter origem no seu primeiro emprego, como "assistente do assistente de arte" no jornal musical semanal "Canja". "Tinha Zé Trajano, Sérgio de Souza, Hamilton Almeida Filho. Esses caras eram os reis do jornalismo, e a coisa mais legal é que eu participava dos fechamentos. Era uma loucura, gozação, gente falando, fumando, bebendo conhaque... Era maravilhoso", conta.

"Hoje, vejo que esse olhar da imprensa me influenciou muito na maneira como edito os livros nos quais trabalho. Sempre procuro criar uma narrativa em que o conteúdo não seja simplesmente uma decoração."

A música também tem lugar cativo na vida de Kiko Farkas. A primeira imagem impressa de que ele tem lembrança é a capa do LP "Solo Monk", do jazzista americano Thelonious Monk (1917-1982), que encontrou aos oito anos em uma gaveta de discos do pai. Dali para o grupo Xoro Roxo, que montou com um amigo que tocava bandolim durante a faculdade, foi só o tempo de amadurecer e aprender a dedilhar o violão.

Corta. "Kiko, eu quero que você enlouqueça." Após quase uma hora de conversa, estamos no início de 2003, e quem dá a ordem é o maestro John Neschling –diretor artístico e regente titular da Osesp à época.

"E quando eu enlouqueci ele bancou. Me deu liberdade total." Dali até 2007 foram mais de 300 cartazes produzidos para concertos da orquestra. Hoje, o estúdio de Kiko é responsável pela comunicação visual do Theatro Municipal, que tem Neschling como diretor artístico.

Alguém bate à porta. É Michele, secretária do estúdio, reforçando que Kiko deveria sair em breve. Dali a poucas horas ele teria uma reunião para apresentar o programa de um curso de design gráfico do qual será coordenador na EBAC (Escola Britânica de Artes Criativas) –a instituição abre as portas em agosto.

"Me deram carta branca. Enlouqueça, mas dentro do budget", brinca, enquanto exibe a cartolina na qual organizou post-its coloridos em um diagrama esquemático da grade curricular.

"Queriam fazer a reunião por Skype, mas disse que não ia conseguir. Tenho que pensar graficamente, sabe? O raciocínio visual é vital para mim."

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Rabiscos de Kiko Farkas durante a entrevista. Clique nos marcadores que surgem ao levar a seta do mouse sobre a imagem abaixo para entendê-los.

Kiko Farkaz conta (e desenha) sua história

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