Designers paulistanas investem em semijoias criativas a preços menos salgados

Ao gesticular, Mariah Rovery, 29, barulha como um sininho em brisa de verão. Vitrine itinerante da marca que leva seu nome, ela combina correntes, braceletes e anéis com o cuidado de não parecer uma árvore de Natal. Da pausa para o almoço, ela pode voltar sem nenhuma das peças para o seu ateliê, em Higienópolis. "As pessoas me abordam e querem comprar. Acontece direto. Vendo tudo do corpo", diz a designer.

As criações dela podem chegar a R$ 16 mil. O colar Octopus, que lembra o tentáculo de um polvo, custa R$ 3.785. Feito em latão, ostenta um rubi e ficou famoso depois de abraçar o pescoço de Giovanna Antonelli em uma novela, no ano passado. O produto fez tanto sucesso que ganhou uma versão mais pop, em borracha, também usada pela atriz. Em dez cores diferentes ele é vendido por R$ 229 cada. Faz parte da linha "flex", com preços menores, feita em material flexível e resistente à água.

Pablo Saborido/Folhapress
Mariah Rovey
A designer Mariah Rovey com o colar Octopus

No meio do caminho entre a bijuteria e a joalheria, Mariah ganhou adeptas com uma combinação de design original e materiais nobres e populares.

A estratégia não é exclusividade da marca. Foi adotada por outras designers paulistanas que têm movimentado o mercado de acessórios na cidade.

Em 2012, Luiza Dias, 33, lançou a Luiza Dias 111, com uma proposta que unia metais e pedras brutas —e, aos poucos foi abrindo espaço a outros materiais. Até a resistência de um chuveiro ou porquinhas de construção banhados em ouro ou prata viraram parte dos colares e pulseiras que ela monta em seu ateliê-casa, em Pinheiros. A inspiração pode vir da arquitetura, de artistas e de objetos inanimados, como lustres e luminárias.

O resultado, no entanto, é minimalista. A simplicidade dos elementos, torna os produtos estrategicamente combináveis, o que facilita a venda deles em pares ou trios. "Faço um produto que não segue uma tendência e tem um desenho próprio. Também acho que a minha marca tem o preço mais 'barato'", diz desenhando as aspas com os dedos no ar. A peça mais cara de sua última coleção custa R$ 239. Ela já atraiu gente como as atrizes Carolina Ferraz, Flávia Alessandra e Fernanda Paes Leme.

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Luiza Dias
Luiza Dias

Para a jornalista de moda Alexandra Farah, 43, este é um nicho que tem ganhado força nos últimos cinco anos. Ela credita parte da visibilidade à Lool, multimarcas nacional de acessórios criada em 2009. "A Lool deu impulso a esse crescimento. É uma vitrine para novos talentos. Mas de uma bijuteria de alto padrão, mais cara", diz.

A dona da marca, Luiza Setúbal, 32, começou a explorar esse mercado quando ainda era produtora de moda e percebeu uma escassa oferta de acessórios. No início, pedia para designers como Walério Araújo, Glorinha Paranaguá e Dudu Bertholini criarem coleções exclusivas para a sua "pop-up store" (o nome moderninho para as lojas temporárias), que, à época, funcionava num trailer. "Sentia dificuldade de fazer uma seleção porque não tinha opções", lembra.

Em 2016, com sete anos de marca consolidada, lojas nos shoppings Iguatemi e JK Iguatemi, além de cinco linhas próprias, Setúbal trabalha com 30 designers. Desses, 15 são da capital paulistana. "Surgiram muitas marcas de lá para cá. Diferente do que eu encontrava em 2009, um acessório com cara de semijoia, as peças da Mariah Rovery, da Luiza Dias e das meninas da Cine 732 carregam uma bossa", explica. "São bijus autorais, com identidade e personalidade."

Mas o crescimento no mercado não foi acompanhado da profissionalização, diz Setúbal. "Se ficam grávidas, essas meninas param de produzir. Se der tempo, criam. Nem todas se adaptaram e algumas nem respeitam o calendário de moda", conta.

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Carla Lamarca usa o pingente ponta cristalina
Carla Lamarca usa o pingente ponta cristalina

Ex-MTV, Carla Lamarca, 33, lançou a Lama Jewelry no ano passado e relativiza a crítica. "Tudo depende do seu objetivo. Eu gosto de moda, mas não tenho preocupação com datas de coleções. Não quero que a minha criatividade fique escrava de um mercado." Aprendiz de ourives, em sua bancada passam apenas prata e pedras como quartzos. Faz desde a fundição até a montagem das peças, mais despojadas —as mais interessantes levam reproduções de pontas de cristais e pepitas. As criações acompanham seu momento de vida, sem seguir desenhos prévios ou pesquisa de tendências. Custam entre R$ 180 e R$ 370.

O processo criativo de Mariana Gouveia, 31, que comanda a Iracema, é semelhante. Ela faz a fundição e a laminação em um ateliê em Perdizes, onde cria com pedras brutas vindas de Minas Gerais.

"É mais fácil encontrar pedras lapidadas, com formatos específicos. São mais práticas também se você quer reproduzir uma quantidade grande. Mas eu busco o 'não-padrão'. Gosto da ideia de não ter nenhum produto igual ao outro", conta.

Essa via torna o trabalho dela mais autêntico e exclusivo, o que afeta o preço final. Um par de brincos de pérola com turmalina custa R$ 910, por exemplo. Ainda assim, distante do valor de marcas tradicionais como a Vivara, que chega a cobrar R$ 330 mil em um solitário —a peça mais cara.

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Mariana Gouveia
Mariana Gouveia, do Estúdio Iracema

"O que eu faço não é bijuteria, nem joia. É uma compra que precisa ser pensada, mas que não é impossível", diz.

Produções desse tipo têm dado tão certo que algumas marcas fazem o caminho inverso. Há mais tempo no metier, Camila Sarpi, 40, começou na alta joalheria, em 2006. Agora, eliminando a sua linha de ouro, caminha para o design de acessórios. Usa turmalinas, dolomitas e drusas, além de banhos de ouro ou ródio negro.

"Há uns anos, ou você tinha uma joia bonita, boa e cara ou uma bijuteria de mau gosto, feia e cafona. Hoje, vejo mulheres chiquérrimas com um baita anel, que eu sei que é caro, e brincos meus."

Camila, que também coloca a mão no alicate para criar seus brincos vazados com detalhes mínimos, substituiu as peças que chegavam a R$ 7 mil por outras mais "modestas", com preços entre R$ 78 e R$ 1.900. "É o pequeno luxo possível. As pessoas não podem adquirir aquele diamante que custa o preço de um apartamento, mas podem comprar um brinquinho novo", diz.

O desvio de rota tornou o processo mais prático. Funcionou melhor no e-commerce, base principal de venda dessas marcas. O novo rumo também eliminou o custo do estoque de ouro, que aumenta em períodos de crise econômica, por exemplo.

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Guta Virtuoso e Luciana Conde
Guta Virtuoso e Luciana Conde, da Cine 732

Apesar de soar contraditório, o contexto atual é favorável para o grupo de designers. Para Farah, a crise até ajuda. "As pessoas compram menos roupa e o mercado de acessórios cresce", diz. Com o dólar alto, as clientes gastam menos no exterior e dão mais valor ao produto nacional. Em dezembro de 2015, por exemplo, a Lool dobrou as vendas em loja (a marca não revela números).

A Cine 732, parceira da multimarca, nasceu no meio do furacão, em 2014. A marca, das amigas Guta Virtuoso, 30, e Luciana Conde, 32, tem peças em resina, seu carro-chefe, com preços de R$ 145 a R$ 310.

"A marca está crescendo rápido e eu tenho medo. Não tenho histórico para comparar se caíram as vendas, dizem que vai piorar...", diz Guta. "Acho que vai ser uma peneira. Quem sobreviver, lindo, senão, morre na areia, né?", divaga.

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