Guru da alimentação saudável, Jamie Oliver vira garoto-propaganda de comida congelada

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O chef-celebridade conhecido mundialmente por levantar a bandeira da alimentação saudável, com ingredientes frescos e preparos caseiros pá-pum, está no Brasil para lançar sua linha de comida congelada.

Muita gente não entendeu. Jamie Oliver aliado a uma grande indústria, a Sadia, servindo receitas já prontas. Mas o chef britânico veio preparado para o embate. Diante de jornalistas em uma entrevista coletiva em São Paulo, na quarta-feira (6), defendeu sua decisão e cá veio para acertar os últimos detalhes do que definiu um ano atrás.

Para ele, aliar-se aos grandes é só mais uma forma de promover as mudanças que acredita —eram condições para o contrato que a Sadia revisasse a alimentação dos animais e as plantas das granjas. Segundo a empresa, foram investidos R$ 50 milhões na ação, que inclui um projeto-piloto de educação alimentar nas redes de ensino.

"Os congelados no Brasil sempre foram representados por produtos de baixa qualidade. Mas a comida industrial deve seguir em outro caminho. Ela não precisa ser ruim", afirmou o cozinheiro, em entrevista exclusiva à Folha. Oliver diz optar por ingredientes frescos porque é cozinheiro "mas minha mulher usaria produtos como os que eu estou desenvolvendo".

Nas redes sociais o assunto "parceria entre chef e a grande indústria" teve mais de uma história nas últimas semanas. O chef Alex Atala é o novo garoto-propaganda da Seara, concorrente da Sadia, e aparece em vídeos tratando de estigmas sobre a criação dos animais, por exemplo.

"Para o consumidor, se tem bom preço, é delicioso e é conveniente, ele deve comprar. E se é bom, continuar comprando. Ao mesmo tempo, e eu vou falar por mim, trabalhei muito e não disse apenas: 'Ah, legal, me dê um pouco de dinheiro e eu vou ser seu garoto-propaganda'. Os últimos 20 anos do meu trabalho não envolveram nada disso. Então, como com os outros parceiros que temos, o que eu faço é ajuda-los a fazer mudanças positivas e, quem sabe, alcançar o sucesso. O público decide."

Mas nem todos concordam que seja simples. Alguns embaixadores do projeto Food Revolution (campanha global de combate à obesidade infantil pela educação) criticaram a parceria. O embaixador em Montevidéu, Diego Ruete, optou por deixar o projeto.

"Se associar a uma empresa como a Sadia se opõe a toda a minha luta por 'comida real' [não processada]", disse Ruete à reportagem. "Certamente farão produtos premium, deliciosos, para uma minoria, enquanto a empresa continuará produzindo o mesmo de antes para a maioria. E venderá muito, se Oliver o aprova. O ideal, já que ele tem poder, seria apoiar quem faz as coisas bem. O resto são negócios, e ele não precisa mais disso."

As porções de carne temperada terão de ser finalizadas pelo consumidor (com o molho ou na frigideira, por exemplo). As individuais vão custar entre R$ 15 e R$ 20 e as maiores entre R$ 20 e 25.

Oliver diz que amadureceu ao longo dos anos, o que permitiu que ele pensasse de forma diferente da dos embaixadores críticos. "Eu pensava como eles, mas vai além disso. Para ser grande, é preciso trabalhar em escala maior, para ter um alcance maior", diz. "Talvez cinco anos atrás eu não trabalhasse para uma empresa grande, mas a Sadia é responsável por 18% da produção mundial. Se não fizermos isso agora, talvez não haja outra chance. É preciso acreditar na mudança."

NOVIDADES BRASILEIRAS

Além das duas unidades paulistas de Jamie's Italian, no Itaim Bibi e em Campinas, o chef planeja, ao lado do mesmo sócio, o chef-executivo Lisandro Lauretti, abrir mais uma casa. "Faremos, definitivamente, e será menor do que as outras casas e ainda mais acessível", conta. A novidade pode ficar pública nos próximos seis meses.

COMIDA NAS ESCOLAS

"Tenho certeza de que se os alunos reclamam da qualidade da merenda escolar, eles estão certos", diz Jamie Oliver ao saber do histórico de protestos em São Paulo por conta da qualidade da merenda escolar.

"Eu passei por muitas escolas, em vários países, e se você tem boas pessoas tocando isso, é possível fazer um ótimo serviço. Há escolas com merendas incríveis em áreas muito pobres. A questão é: milhões de crianças são alimentadas pelo governo e pequenas mudanças, como levar mais frutas e legumes para a escola, são poderosas."

Segundo ele, "geralmente os responsáveis pela merenda, dois ou três, não se importam". "São pessoas que nem se relacionam bem com a comida."

MILITÂNCIA

Conhecido por ter provocado mudanças na receita de hambúrguer da rede de fast-food McDonald's, em 2012, Jamie Oliver continua elaborando projetos de larga escala em seu país.

Em março, ele conseguiu que sua proposta de criar um imposto sobre o açúcar em refrigerantes entrasse no orçamento do Reino Unido. O valor arrecadado com a taxa será direcionado para educação alimentar.

Sua bandeira atual diz respeito às informações estampadas nos rótulos. Ele defende que os dados sejam dispostos de forma mais clara: a quantidade de açúcar deveria estar em colheres de chá e não em gramas, por exemplo.

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