Efeito Uber reduz preços, mas leva motorista a trabalhar por quase 24h

Há um ano, o paulistano tinha basicamente duas opções na hora de pedir um carro nas ruas: táxi ou Uber? O cenário mudou. E rápido. Além da chegada de novatos no mercado, os serviços se multiplicaram. Com poucos cliques no celular, é possível chamar de mototáxi a modelos blindados. E toda essa disputa entre as empresas gerou um efeito que chegou ao bolso de quem está na ponta: os clientes.

O trajeto entre o largo Santa Cecília e a avenida Paulista, na região central, custa cerca de R$ 15 no táxi. No UberPool, em que desconhecidos compartilham a viagem, sai por R$ 7,68 -pouco mais de dois bilhetes do metrô.

Para reagir à concorrência gerada por novatos, apps ligados aos táxis tradicionais apostam em promoções com descontos de até 30%. "Ao fazer mais corridas, mesmo que por um valor menor, os taxistas ganham mais no fim do dia", afirma Pedro Somma, diretor de relações institucionais do aplicativo 99.

"Não há limite para a queda de preço nem de motoristas parceiros", diz Guilherme Telles, CEO do Uber no Brasil. "Com mais gente dirigindo, os carros chegam mais rápido e mais pessoas usam."

O Uber faz forte campanha para atrair condutores, como um bônus de R$ 700 para quem indicar outro motorista. Para se cadastrar, não é preciso nem carro: basta enviar pela internet cópia da CNH que tenha a frase "exerce atividade remunerada" e um atestado de antecedentes criminais com "nada consta".

É possível cadastrar o veículo de outra pessoa ou alugar um. A liberação para fazer corridas é feita sem entrevista ou treinamento -há palestras e vídeos para tirar dúvidas.

A empresa mantém em segredo quantos veículos "parceiros" circulam pela cidade. Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostrou que 69% dos paulistanos são a favor do aplicativo.

Opinião sobre o Uber em São Paulo - Maioria aprova aplicativo que conecta motoristas a passageiros

Apesar do discurso das empresas, taxistas e condutores do Uber reclamam de queda do número de corridas. Culpam tanto a crise econômica como o aumento da concorrência.

"Os taxistas estão fazendo 45% menos viagens em relação a 2015", diz Antonio Matias, presidente do Simtetáxis, um dos sindicatos da categoria na cidade. "Há motoristas que rodam a noite inteira e ganham só R$ 30."

Entre condutores do Uber, a queixa repete-se. No fim do ano passado, chegavam a faturar R$ 2.000 por semana. Atualmente, ficam felizes ao atingir R$ 1.200.

Com mais oferta do que demanda, as jornadas crescem. No último dia 8, o motorista do Uber Carlos (nome fictício, a pedido dele) começou a jornada às 5h, com uma viagem para Guarulhos, e pretendia dirigir até 4h do dia seguinte, no sábado. "Dei umas dormidas no carro", diz ele, que agora tenta a sorte também no Cabify. Em um segunda deste mês, ele faturou R$ 12 com o Uber.

Quem diz já ter usado o Uber, por região da cidade - Em %

Além de água e balas, os motoristas passaram a oferecer cartões com seus contatos, para tentar driblar a fila virtual. "Combinamos pelo WhatsApp [aplicativo de troca de mensagens]. Quando estiver perto, fico on-line no Uber e você chama", diz Marcos, 34, no serviço há sete meses.

Motoristas também começam a empreender na área, criando frotas para alugar carros ou serviços para explorar segmentos. Ao ver a procura por corridas agendadas, o publicitário e motorista de Uber Gustavo Souza, 27, criou em novembro do ano passado a empresa Agiliza Aí, para agendar carros de luxo para eventos corporativos, transporte de executivos e casamentos.

Cada cliente pode escolher o modelo exato de veículo que quer usar e receber refeições a bordo, como café da manhã ou vinhos e queijos. "Cobramos 50% menos do que a média do mercado de casamentos, por exemplo, e tenho um bom retorno", afirma ele.

Para conquistar a sua fatia do bolo, apps estrangeiros que operam na cidade de São Paulo igualmente prometem diferenciais.

O espanhol Cabify faz seleção mais rígida dos motoristas -exame psicológico- e oferece tarifa com preço fixo, sem aumento em caso de trânsito ou de alta demanda, como cobrado pelo Uber. Já o indiano WillGo conta com mais categorias de veículos, como SUVs e modelos blindados, e realiza a entrega de documentos e objetos.

Ambos iniciaram a operação na capital no fim do mês passado. No entanto, como ainda possuem frotas pequenas, é comum que pedidos de clientes fiquem sem resposta. Outros serviços de nicho são o Bluclub, que trabalha com carros blindados, e o MeLeva, no qual cada motorista define quanto cobra.

REGULAÇÃO

A chegada de mais empresas é fruto da regularização desse tipo de serviço, feita em maio pela gestão Fernando Haddad (PT) por meio de decreto, após o tema não avançar na Câmara. A regra autoriza 900 mil km em viagens pela cidade por mês, com taxa de R$ 0,10 por quilômetro rodado. Não há limite de carros.

"A cobrança pode render R$ 2,7 milhões por mês, mas não tem fim arrecadatório. Serve para regular o mercado", diz Rodrigo Pirajá, presidente da São Paulo Negócios, empresa ligada à prefeitura. "Se a meta for atingida, a tarifa será elevada para desestimular novas viagens."

Em vez de fiscalizar os carros, a prefeitura aposta em um sistema para acompanhar as corridas a partir de informações coletadas das empresas, que ficam responsáveis pela seleção dos condutores e vistoria dos veículos.

"A autorregulamentação não encontra respaldo na lei", critica José Bento Ferreira, professor do departamento de trânsito da Unesp. "Uma empresa fiscalizar a ela mesma não funciona."

Cinco aplicativos já buscaram o cadastro e três concluíram o processo: Cabify, Easy e Uber, esta última na semana passada.

Mesmo com a regularização, o debate sobre a legalidade do serviço na capital continua. O vereador Salomão Pereira (PSDB) apresentou um projeto de lei na Câmara para anular o decreto de Haddad e determinar que só taxistas possam atender por meio de apps.

"Como essas empresas cobram muito barato, não conseguirão fazer a manutenção dos carros. Logo teremos uma frota sucateada", diz o tucano. Há um inquérito no Ministério Público paulista para apurar a constitucionalidade da decisão do petista.

Antes do decreto, a prefeitura criou a categoria do táxi preto, na esperança de que o Uber aderisse ao modelo, o que não ocorreu. Foram 5.000 alvarás novos, repassados pela prefeitura por R$ 60 mil cada um.

Quem levou um desses hoje alimenta dúvidas se fez um bom negócio. Embora exija veículos de luxo, a categoria cobra o mesmo que os modelos brancos, em uma estratégia da Easy e da 99 para popularizá-los.

O sistema de pagamento do táxi preto é feito por aplicativo e flexível. A prefeitura e as empresas veem aí um teste para no futuro trocar o taxímetro por aplicativos, com aferição por meio de GPS. A mudança permitiria a oferta de uma tarifa menor na periferia, diz a prefeitura.

REGULARIZAÇÃO DO UBER - Entenda os principais pontos do decreto de Haddad

ECONOMIA COLABORATIVA

A discussão de como lidar com empresas como o Uber segue na pauta das principais cidades do mundo. Novas tecnologias mexem com o setor de serviços ao permitir que qualquer pessoa possa encontrar outra que queira alugar parte de sua casa ou carro.

Lastreadas por fundos de investimento, empresas como o Uber adotam estratégia similar à de outras companhias de tecnologia: primeiro juntar uma grande quantidade de clientes e tentar criar um monopólio. Para isso, não há problema se houver prejuízo nos primeiros anos. "Não acredito que os preços do Uber se manterão baixos: são temporários para destruir a competição", disse Evgeny Morozov, pesquisador bielorusso especialista em internet, em recente entrevista à Folha.

E embora se apresentem como alternativas para desafogar o trânsito, os aplicativos de transporte individual têm poder limitado nessa área, segundo especialistas. "Em carros com cinco pessoas cada, é possível levar até 5.000 pessoas por hora na faixa de uma via. Uma linha de metrô leva 80 mil no mesmo tempo", diz Bento Ferreira, da Unesp.

A migração do uso de automóvel próprio para compartilhado também é vista com ressalvas. "Num país pobre como o Brasil, o carro é mantido como símbolo de conquista econômica", pondera Paulo Bacaltchuck, professor de engenharia de tráfego do Mackenzie.

"Os novos serviços são baseados no smartphone, que ainda não abrange toda a população. Por isso, o táxi continua a ser necessário", analisa José Viegas, secretário-geral do Fórum Internacional de Transportes, sediado em Paris.

A única certeza entre os especialistas é que o modelo de carros solicitados por aplicativos não tem volta. Com isso, caberá aos governos regulá-lo de maneira equilibrada e razoável para evitar que a concorrência desenfreada precarize os serviços e a atividade mantenha-se minimamente atrativa para motoristas.

Entre os possíveis próximos capítulos dessa história está o risco de motoristas do Uber procurarem a Justiça em massa para questionar a existência de vínculo empregatício, como ocorreu em outros países.

Em outro efeito do modelo digital, o app T81 lançou no mês passado o serviço de mototáxi, proibido pela administração municipal, porém autorizado em esfera federal. "A prefeitura tem que se adaptar a nós, e não o contrário", desafia Josival de Melo, um dos idealizadores do aplicativo, criado em Recife há quatro meses. "Podem apreender quantas motos quiserem". O modelo do Uber de peitar governos fez escola.

Publicidade
Publicidade