Aos 58 anos, salão de cabeleireiros Jacques Janine muda matriz para casarão nos Jardins

Passados 58 anos, Janine e Jacques Goossens decidem dar um passo de quase meio quilômetro em São Paulo. Nascida e criada na rua Augusta, a matriz da rede de salões fundada pelo casal migrou para um casarão na rua Colômbia de 1.260 metros quadrados, digno de castelo de conto de fadas.

O cabeleireiro e a esteticista parisienses se conheceram em um piquenique em 1958. Três dias depois, ele a pediu em casamento no restaurante "Frevinho", na rua Augusta. Ela aceitou.

"Não podia ser de outro jeito. Era muita cumplicidade do universo: como encontrar um francês, parisiense, a 10 mil km de casa?", afirma Janine Goossens, 79. "Uma pessoa com os mesmos gostos, dentro do mesmo ramo e que falava a mesma língua. Você pensa: só pode ser para uma coisa boa."

E assim vão as quase seis décadas de casamento e parceria na rede de franquias de salões mais antiga da capital.

Como na vida pessoal, o casal iniciou a sociedade nos salões na mesma rua, em 1958. "Ali foi onde nós nascemos. Eu andei de bonde pela rua Augusta e a vi coberta por um tapete vermelho durante um Natal", relembra a francesa.

A unidade foi aberta cinco anos após a chegada de Jacques ao país. O então cabeleireiro de 22 anos veio passar uma estadia temporária no país a convite da L'Oréal e acabou arrebatando uma clientela que não o deixou voltar à terra natal.

"Houve uma explosão de salões de cabeleireiro nos anos 1950, mas eram salões de bairro, da comadre. Ir a um cabeleireiro homem e europeu naquela época trazia um status muito grande", diz a historiadora Denise Bernuzzi de Sant' Anna, autora do livro "A História da Beleza no Brasil".

Janine diz que Jacques foi um dos primeiros a cortar curtinho os fios das paulistanas. "As mulheres iam ao salão com os maridos. Já era difícil cortar as pontas, imagine deixar só isso [sinaliza cinco centímetros com os dedos] de cabelo na cabeça delas", comenta ela sobre os famosos cortes à la garçonne.

Formada pela primeira turma de estética de Paris, Janine veio com a família para o Brasil, em 1958, para fugir da crise pós-guerra. "Meus pais eram italianos, morávamos na França e estava chegando a hora de meu irmão se alistar no exército." Os pais temiam a morte do filho Mário Merlino em conflitos.

De potencial soldado, Merlino tornou-se o maior pupilo do cunhado Jacques, assim como tantos profissionais que passaram pelas mãos do francês antes de seguirem voo solo. "Quando chegou ao Brasil, Hideaki Iijima, criador do Soho, trabalhou no Jacques Janine", afirma Janine. A lista inclui Ari Persan, Miltom Tamba e Diego Queiroz.

MUDANÇA

Na manhã do último dia 8, o salão da rua Augusta funcionou pela última vez. À noite, houve a festa de inauguração na nova matriz, que abriu as portas na manhã seguinte.

Elegante, de fala suave e sotaque onipresente, "dona" Janine, como é chamada, considera a nova casa uma etapa de transformação e renascimento. "Após muitos anos na profissão e no mesmo lugar, você trabalha como se fosse teleguiado. Em um novo espaço, é preciso aprender novos movimentos."

Além da renovação, a família Goossens mira a perenidade do negócio. "Você pode imaginar que essa unidade não foi feita nem para o Jacques nem para a Janine. É para a nova geração."

A filha caçula Natalie Schues, 55, seguiu os passos da mãe e é esteticista e aromaterapeuta, graduada em Paris. Ela é a responsável pelos cosméticos da marca.

"Tentei seguir a área terapêutica, mas continuar no salão foi o caminho mais óbvio", conta a esteticista que por pouco não nasceu em meio a batons, escovas e tinturas.

Formada em artes plásticas, Diane Goossens mergulhou nos negócios da família após o fim do casamento, nos anos 1990, quando voltou do Mato Grosso para São Paulo. Hoje, é diretora educacional da rede, responsável pela área de treinamento. "Fico no backstage."

Filhos de Diane, Chloé Gaya, 27, e Olivier Chemin, 32, são os rostos da nova geração mencionada por Janine.

"A Chloé estava sempre em volta. Com dois anos, ela já falava 'eu quero um batom, eu quero um batom'. E até hoje ela está perto de nós, ainda querendo um batom", conta a avó, que diz admirar muito o trabalho da neta, consultora de imagem e maquiadora oficial da rede.

Chloé cresceu entre pincéis e sombras. A avó a maquiava para as apresentações de balé quanto criança. O seu aniversário de 14 anos foi comemorado com um dia de beleza para ela e as amigas dentro do salão. Aos 16, ela fez o seu primeiro curso profissional de maquiagem.

"Quando eu era pequena, a Hebe sempre falava comigo quando ia ao salão. Ela me adorava!", afirma a jovem de 27 anos, com cabelos castanhos na altura do ombro -comprimento pouco apreciado pelo avô. "Quando a gente era criança, ele sempre tinha uma tesoura e cortava o nosso cabelo [dela e das primas] curto. Por que ele gosta de cabelo curto."

Olivier foi para o salão para ganhar um dinheiro extra. "Quando eu tinha uns 18, 19 anos, eu pedi um celular para o meu pai. Ele disse que me daria, mas eu teria de pagar a conta. Assim, comecei a trabalhar como office-boy no salão dos meus avós. Passei por todas as áreas e até curso de cabeleireiro fiz. Mas falta aptidão", diz o atual presidente da rede.

Julia Moraes/Folhapress
Inauguração do novo salão de Jacques Janine na rua Colômbia, no Jardim América
Inauguração do novo salão de Jacques Janine na rua Colômbia, no Jardim América

FUTURO

O executivo usa a história dos avós para explicar o investimento em uma nova matriz em tempos de crise. "Seu Jacques e a dona Janine viveram durante a Guerra. Sempre tentamos tirar coisas boas de momentos assim." A fase da economia colaborou com as negociações da nova sede do salão, por exemplo. Porém, ele não nega o impacto negativo. "O investidor se afastou, o cliente passou a ir com uma sazonalidade diferente. Todo esse movimento abalou, sim, a rede."

"Nas épocas de maior bonança, tínhamos clientes que vinham todos os dias ao salão", acrescenta Janine. "Algumas, até duas vezes ao dia: ela se preparava de manhã para o dia e voltava à noite, quando tinha algum jantar ou evento para ir."

As clientes não sumiram do salão, mas passaram a arrumar o cabelo em casa. "Hoje está quase na moda você estar bem naturalzinha."

De acordo com Olivier, a empresa deve crescer entre 12% e 13%. Neste ano, serão abertas mais duas unidades, uma em Campo Grande (MS) e outra no Rio de Janeiro. A rede tem projetos para explorar ainda mais a Flórida, nos EUA, onde já há um franqueado, em Orlando.

Com os netos dos fundadores, o Jacques Janine também busca se reposicionar entre os clientes mais jovens. "Muitas noivas que foram maquiadas pela Janine hoje trazem suas filhas e netas para a Chloé maquiar", diz Diane. A semelhança entre avó e neta na forma discreta de ser e a maquiagem natural impressiona os funcionários de longa data da casa.

Elegância que Janine admira em seu marido. "Nunca conheci alguém tão elegante na forma de trabalhar. Nunca fez nada espalhafatoso, seu trabalho era simples e bonito", afirma a fundadora da rede. A admiração mútua é o segredo, segundo ela, para o casamento durar tanto tempo. "Jacques sempre elogiou o meu trabalho, e eu o dele."

No começo do mês, seu Jacques, 86, soltou um "ulalá" quando entrou pela primeira vez na nova matriz. Diagnosticado com mal de Alzheimer em 2010, ele está afastado dos negócios. "Até os 80 anos ele vinha ao salão e, às vezes, cortava o cabelo das clientes mais antigas", diz Janine.

Oficialmente, tanto Jacques como Janine aposentaram as tesouras e os pincéis por volta dos 70 anos. Ela ainda cuida do negócio -trabalha todos os dias das 9h às 19h.

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