Restaurantes, baladas e galeria dão nova cara à Mooca, que não esquece tradições

Quem passar pelo viaduto Professor Alberto Mesquita de Camargo, na zona leste paulistana, dará de cara com um gorducho de óculos, diante de um pratão de macarrão. A legenda do grafite exclama: "Bem-vindo à Mooca, Bello".

Assinada pelo grafiteiro Sipros e concluída em janeiro deste ano, a obra é um dos sinais da mudança que, aos poucos, avança no bairro, famoso pelo apego quase folclórico às tradições.

Nos últimos meses foram inaugurados três espaços. Em junho, surgiu o estúdio de tatuagem Paint Black Tattoo e, mais tarde, em setembro, foi aberto o misto de galeria de arte e balada Disjuntor. Por último, veio o restaurante Hospedaria, em janeiro.

Todos fazem parte do Distrito Mooca, idealizado pelo empresário José Américo Crippa Filho, o Tatá. Dono do Cadillac Burger, na rua Juventus, ele também planeja levar a hamburgueria para um ponto mais próximo dos trilhos neste semestre. No novo espaço, a casa ganhará uma área para baladas.

Nascido e criado no bairro, Tatá iniciou o projeto do distrito há dois anos. A ideia dele é convencer empreendedores a se mudar para galpões industriais abandonados, vizinhos dos trilhos ferroviários. Para isso, ele descobre quais são os imóveis vazios e procura possíveis interessados em ocupá-los.

Tudo para deixar um pedaço da Mooca —apelidado de Baixo Mooca— com um quê de Wynwood, em Miami. Degradado até o fim da década de 1990, o distrito americano, uma zona industrial, recuperou-se por iniciativa de empresários e atualmente reúne galerias de arte, restaurantes e butiques.

"Wynwood atraiu o pessoal da arte, encheu-se de grafites e virou o bairro mais descolado de Miami", afirma Tatá. "A receita aqui é a mesma. E aqui tem acesso fácil de trem ou de metrô, ruas largas e planas, ótimas para caminhar, e construções que lembram o Brooklyn, em Nova York."

Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, o bairro fará parte do Museu de Arte de Rua, programado para ser lançado após o Carnaval.

No projeto, grafiteiros deverão ser selecionados para realizar obras em toda a cidade. A escolha se dará por meio de um edital e de uma comissão com artistas, críticos e especialistas no tema.

PATRIMÔNIO

A Mooca abriga um rico conjunto de imóveis sob a tutela do DPH (Departamento do Patrimônio Histórico). "Sem dúvida [o bairro] tem a maior concentração de galpões industriais tombados de São Paulo", afirma Mariana Rolim, diretora do órgão, vinculado à Secretaria Municipal de Cultura.

Detalhe: a ocupação dos antigos galpões industriais nem sempre envolve órgãos de preservação do patrimônio. Parte deles não tem valor arquitetônico ou histórico.

Alguns mantiveram a fachada e o telhado, mas mudaram inteiramente por dentro. É o caso do Cotonifício Crespi, na rua Taquari. No passado, o imóvel chegou a ser uma das mais importantes fábricas da Mooca. Hoje, funciona como um hipermercado.

Já a antiga fábrica da Companhia Antarctica Paulista, tombada em setembro de 2016, pode mudar bastante. O espaço é considerado um dos testemunhos da ocupação da Mooca entre o final do século 19 e o início do 20.

Adquirido pelo casal Ariel e Neide Lenharo, moradores do bairro, o imóvel na avenida Presidente Wilson tem projeto para se tornar um complexo com escritórios, apartamentos, hotel, teatro e restaurantes.

Para tanto, novas construções de arquitetura contemporânea seriam erguidas ao lado dos prédios tombados. "É um empreendimento arrojado e a viabilização financeira exigirá investidores", diz Neide Lenharo, sem revelar os valores estimados para tirar a ideia do papel e os prazos.

Segundo Mariana Rolim, do DPH, projetos do gênero são bem-vindos. "Prédios tombados não estão congelados. Temos mais é que incentivar outros usos, como faculdades, centros comerciais e equipamentos de lazer. Eles contam a história industrial do bairro e vão manter esse perfil."

NOVOS ARES

Uma das diretrizes do projeto iniciado por Tatá é a integração com as tradições da Mooca, a começar pela arquitetura. Os novos empreendimentos valorizam a estética industrial, os encanamentos aparentes, as paredes descascadas, os móveis que denunciam décadas de uso.

Nessa nova Mooca, nada tem aparência arrumadinha. O Espaço Nos Trilhos ocupa um antigo pátio de manobras de trens, hoje aos cuidados da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. Parte do terreno fica sob o viaduto Alcântara Machado e tem chão de terra batida.

Ali, ocorrem algumas das baladas mais agitadas do bairro, que chegam a receber até 1.500 pessoas.

Sidnei Gonçalves, espécie de gerente do lugar, organiza as festas e cobra os ingressos, que custam cerca de R$ 40 por pessoa. Ele também aluga os velhos vagões para eventos, sessões de fotos e filmagens —um deles foi grafitado por Otávio e Gustavo Pandolfo, Osgêmeos.

"Com o dinheiro arrecadado, restauramos as antigas composições", diz Gonçalves. Um dos carros, inteiramente reconstruído como vagão-restaurante, abriga o bar BTNK.

O analista de marketing digital Rodrigo Blankenburg, 33, morador da Vila Madalena, na zona oeste, acha que vale a pena sair de um dos bairros mais boêmios da cidade para curtir a nova noite da Mooca.

"Onde você chega, tem mesa livre. Sem falar nos preços, bem mais baratos. Enquanto pago até R$ 15 por uma cerveja na Vila Madalena, na Mooca a garrafa sai por R$ 11", compara.

O menor custo do bairro da zona leste fez o artista plástico Mozart Fernandes, 45, mudar de casa. Sócio do Disjuntor, ele e a mulher, a cenógrafa Mônica Fernandes, trocaram Pinheiros pela Mooca três meses atrás. "Aqui, alugo dois imóveis que, juntos, não chegam à metade do aluguel que eu pagava lá", afirma o artista.

Apesar da economia, ele considera que o maior atrativo do bairro é mesmo o mooquense. "Meu carro quebrou na rua e apareceram seis vizinhos oferecendo ajuda. Ainda há gentileza na Mooca", diz o artista plástico.

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