| Keiny Andrade/Folhapress | ||
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| Estilista Gustavo Silvestre (de camisa azul) ensina crochê a presos em Guarulhos |
Segunda-feira é um dia diferente na rotina quase sempre igual de 18 presos da penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos. Os 2.300 internos instalados nos quatro pavilhões têm agenda idêntica: acordar às 7h30, tomar café da manhã às 8h, banho de sol às 8h30, voltar para a cela às 11h, almoçar às 11h30, às 13h ir ao outro banho de sol, voltar para a cela às 16h, jantar às 17 h e ficar trancado até o dia seguinte.
Às segundas e quartas, o estilista Gustavo Silvestre, 40, que sempre utilizou o trabalho manual em suas criações, aparece para acabar com a mesmice.
Ele dá aulas de crochê para duas turmas, com nove alunos cada uma, de manhã e à tarde. O projeto batizado de Ponto Firme começou menor, em 2015, com a adesão prejudicada por certa hesitação inicial. Hoje, ao menos um dos 18 participantes traz todas as semanas a amostra do trabalho de outro preso, acompanhado de bilhetinho para Gustavo, candidatando-se a uma vaga na aula de crochê. Por enquanto não há intenção de aumentar os grupos, mas os alunos ensinam colegas de cela, e o crochê vai se tornando prática em expansão.
"É tabu na penitenciária masculina fazer crochê. Mas, na hora que derruba o preconceito, todo mundo quer", diz Valdinei Freitas, 42, diretor de trabalho e educação, que coordena também o curso de teatro e o coral. "O crochê faz bem, relaxa, eles ficam mais calmos, melhoram as relações." Além disso, as aulas contam como trabalho na remissão da pena: a cada 12 horas de atividade, a sentença diminui em um dia.
A chegada do professor é recebida com alegria. Gustavo cumprimenta um por um, sempre pelo nome e com um aperto de mão: Ricardo, William, Felipe, Aparecido, Anderson, Bruno, Julio.
| Keiny Andrade/Folhapress | ||
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| O estilista preparou um desfile de moda com peças confeccionadas pelos presos |
Normalmente, cada aluno se dedica a um projeto de sua escolha. Hit da aula são os amigurumis -bonecos feitos de crochê que podem ser revendidos, trocados por maços de cigarro ou itens de higiene. Ou viram presente para as suas visitas. "Faço qualquer coisa que quiser: Snoopy, Pluto, cachorro, girafa, unicórnio, sapo, dragão", diz Fabiano, 35, preso há três anos e com mais dez até o fim da pena.
Agora um projeto comum está agregando a dedicação de todo o grupo: Gustavo preparou um desfile de moda com peças confeccionadas pelos presos: roupas inteiras feitas de crochê e acessórios como colares, bolsas e chapéus. A apresentação vai ocorrer no próximo sábado (21), na abertura da São Paulo Fashion Week, no parque Ibirapuera.
Para isso, exibiu vídeos de desfiles internacionais para mostrar noções de moda como "styling" (processo de combinar peças e acessórios) e "look" (o conjunto final da produção) para uma turma que se veste igual todos os dias: calça cáqui, camiseta branca e chinelo de dedo. "Esse look é nosso, meia com chinelo", diz William, 26, fazendo graça com o desfile da grife italiana Gucci.
Na parede da sala de aula, um painel gigante de crochê começa a dar forma ao cenário do desfile: uma cela estilizada, no tamanho original das que ocupam atualmente, de 5 m x 3 m.
Preso há quatro anos e dois meses, faltam dois anos e nove meses para Ricardo Campos Cruz, 38, terminar de cumprir sua pena. "Estou fazendo roupas para o desfile. Me sinto bem ocupando minha cabeça com alguma coisa, a sensação é que saio daqui por algumas horas. O dia passa mais rápido e ainda aprendo coisas que serão úteis lá fora." Lá fora é ainda uma ideia para o futuro. Nenhum deles vai estar na plateia do desfile na semana de moda de São Paulo.
Os presos, porém, não ficaram alheios à estreia de sua criação na passarela. No início deste mês, Gustavo Silvestre organizou uma apresentação, com tudo a que um desfile de moda tem direito, dentro do presídio.