É logo nos limites da Liberdade com o Cambuci, bairros centrais de São Paulo, que a paisagem urbana começa a ficar mais pop.
Na rua Lavapés, que começa na bifurcação das ruas da Glória e Bueno de Andrade (Liberdade) e desemboca no largo do Cambuci, os grafites até então espalhados por algumas fachadas começam a se aglomerar.
Diego Padgurschi/Folhapress | ||
Trabalho de Jana Joana, na escadaria da rua Miguel Teles Jr. |
O Cambuci é onde moram, pintam e grafitam Gustavo e Otávio Pandolfo, Osgemeos, artistas que decoraram o avião da Seleção Brasileira em 2014 e exibem no mundo todo suas obras.
Nomes de grafiteiros famosos não faltam nos muros e fachadas do bairro: Nina Pandolfo, Nunca, Vitché, Finok, ISE, Cris Rodrigues. São "todos aqueles que plantam de noite e colhem de dia", como está na dedicatória escrita em 2007 pelos Gêmeos no grafite que fizeram no muro do Colégio Marista Glória.
O muro lateral do colégio, na rua Lavapés, é uma obra coletiva realizada há quase dez anos. "O muro estava deteriorado, e a diretoria da escola pediu para a gente pintar. Agora já está descascando em algumas partes, mas ninguém quer mexer", conta Nina Pandolfo.
A artista, que lançou neste mês o livro "Por Trás das Cores" (ed. Master Books) migrou para o Cambuci nos anos 1990, quando o bairro estava se tornando núcleo de grafiteiros, alguns vindos de outras regiões da cidade, mas logo considerados "de casa".
O relacionamento quase familiar entre os artistas e os outros moradores é, segundo Pandolfo, um dos motivos da permanência de tantas obras antigas nos muros e nas fachadas do Cambuci.
Mas dá para sentir cheiro de tinta fresca caminhando pelo bairro, e é difícil não imaginar que o muro branquinho de hoje não foi o grafite de ontem ou será o de amanhã. Até porque muitos comerciantes perceberam o charme do grafite e contratam artistas para decorar as portas de seus estabelecimentos.
ARTISTAS
O Cambuci, afinal, é um bairro de artistas. Foi ali que Alfredo Volpi (1896-1988), vindo de Luca (Itália) com menos de dois anos de idade, começou sua carreira -pintando paredes.
A casa onde um dos mais famosos pintores modernos brasileiros viveu fica na rua Gama Cerqueira, 154. Não tem nada de especial, nem uma placa homenageando o famoso morador. A homenagem fica há algumas quadras: o pintor dá o nome à travessa Alfredo Volpi, via sem saída na altura do número 206 da rua Backer.
O imóvel da Gama Cerqueira não está aberto ao público, e a família não quer se manifestar a respeito dele.
O local onde Volpi morou até fim da vida era também seu ateliê, de onde saíram milhares de obras, muito valorizadas no mercado -em 2014, uma de suas telas, "Bandeirinhas com Mastros", foi a leilão com o preço mínimo de R$ 2 milhões.
Autodidata, Volpi só começou a viver com o dinheiro de suas obras de arte quando estava com quase 50 anos. Foi uma ave rara no mundo das belas artes, colocando-se fora dos debates acadêmicos dos artistas da época.
Mesmo assim, suas famosas bandeirinhas e as fachadas (algumas que podem ter sido inspiradas nos passeios matinais do artista pelo Cambuci) são hoje consideradas os embriões da abstração geométrica no Brasil.