Descrição de chapéu Eleições 2018

Tristeza não tem fim, felicidade sim

O Brasil que vota está ferido no bolso e na alma

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Era uma vez em Hannover, na Alemanha, maio de 2000. O presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, visitava a cidade para inaugurar o Pavilhão do Brasil na feira internacional (pavilhão, aliás, motivo de polêmica, pelo custo, considerado algo exagerado pela oposição e por parcela da mídia).

Jarbas Vasconcellos, então governador de Pernambuco, levou, um grupo de frevo para abrilhantar a festa, como diriam os velhos cronistas sociais. Na manhã fria da primavera europeia, a moçada tremia nas suas roupas de dança, necessariamente pouco protetoras. Parte do grupo até ficava com a pele arrepiada ao sopro do vento.

Não obstante, bailaram com garbo, malemolência e a inexcedível alegria desse ritmo tão coisa nossa, tão nordestino e tão impróprio para aquelas temperaturas.

Confesso que fiquei encantado com o grupo e até comentei com os colegas que cobriam o evento: “Tão pobrezinhos e tão alegrinhos".

Era o retrato que se tinha do brasileiro.

Que diabos aconteceu para que o Datafolha constate, 18 anos depois, que 79% dos brasileiros se sentem tristes e 78% desanimados —um estado de espírito absolutamente incompatível com a imagem que tínhamos de nós mesmos e o mundo tinha dos brasileiros?

 

Comentei a pesquisa outro dia com uma interlocutora, americana filha de iranianos, que mora em Chicago. Ela observou: “Quer dizer que é falsa a imagem que as agências de turismo vendem do Brasil?"

Respondi que o país, na parte que coube à natureza, continua lindo. O problema é com o estado de espírito dos brasileiros, constata o Datafolha.

Não é o caso aqui de fazer um histórico abrangente das desgraças pelas quais passou o país desde que dom Pedro 1º cortou o cordão umbilical com Portugal.

A propósito: as agonias foram tantas que já em 1986/87, durante o Congresso constituinte, sugeri ao então deputado José Lourenço, nascido em Portugal, que apresentasse proposta de devolver o Brasil a Portugal, com um carta protocolar pedindo desculpas pelo estrago causado.

Se a proposta tivesse prosperado, não haveria necessidade de essa crescente fatia de brasileiros fugir para Portugal, como está acontecendo.

Como não foi adiante, vê-se, pela pesquisa do Datafolha, que o brasileiro continua passando da euforia à fossa e vice-versa em instantes (na verdade em meses ou, em geral, em anos).

Não faz tanto tempo assim, em 2010, havia um ambiente de razoável euforia, no último ano de Lula presidente: o país crescia a 7,5%, o desemprego era residual, a pobreza diminuía (menos do que dizia a propaganda governista, mas diminuía).

Até a Economist, geralmente sóbria, pôs o Brasil numa capa, na forma de uma foguete que subia ao infinito e além.

Aí, veio uma certa Dilma Rousseff, poste de Lula, e conduziu o foguete brasileiro a uma queda e explosão tão estrepitosas que dificilmente encontram paralelo na história recente e não tão recente.

A essa explosão conjuntural, somam-se chagas permanentes, como, por exemplo, a pobreza indecente. Ao terminar o último ano completo de Dilma (2015), o site do Ministério do Desenvolvimento Social contabilizava, no cadastro do Bolsa Família, 73 milhões de pessoas que ganhavam até meio salário-mínimo.

Um terço da população da época era pobre (há algum outro rótulo para quem ganha até meio salário-mínimo?).

Caiu Dilma, veio Temer e, em janeiro deste ano, os pobres, segundo o mesmo cadastro, já eram 77 milhões.

Se fosse só a pobreza já seria um insulto. Mas há, ainda, uma desigualdade obscena, mil vezes retratada. Mais recentemente, foi pintada com cores dramáticas em artigo para o Valor Econômico de Naercio Menezes Filho, coordenador de Políticas Públicas do Insper.

Os dados são de aterrorizar, mas o chocante é verificar que, os hiperricos brasileiros (o 1% do topo da escala social) ganham em média 100 vezes mais do que os 50% mais pobres, quando, na Europa a razão é de apenas 29.

Conclusão inescapável do professor Menezes Filho: “Se não mudarmos a estratificação social existente no Brasil, a produtividade não aumentará, teremos outra década perdida, a violência vai aumentar ainda mais e será melhor para os jovens brasileiros irem construir seu futuro em outra sociedade mais justa e coesa, como o Canadá ou os países escandinavos".

É esse país que vai às urnas no domingo (7). Entendeu a tristeza, o desânimo, a insegurança, a raiva que apareceram na pesquisa do Datafolha? Ou precisa desenhar?

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