Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Eleições 2018

O estrago que Bolsonaro já fez

A adesão a um candidato autoritário é sinal de que a democracia está falhando

Começo por onde esse sempre instigante Hélio Schwartsman terminou a sua coluna desta terça-feira (25). Escreveu ele:

“Enfim, eleger Bolsonaro não é necessariamente sinônimo de sepultar a democracia, mas esse é um território no qual é melhor não brincar. Mesmo que ele não chegue a adotar nenhuma medida que rompa com a ordem constitucional, tende a fazer um belo estrago nas instituições".

Já fez, caro Hélio, já fez. Pode até não ameaçar a democracia, o que é discutível, admito, mas defende inequivocamente a tortura e elegeu um torturador, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932/2015), como um espécie de herói nacional.

É todo um símbolo: Brilhante Ustra foi o único condenado pela justiça como torturador.

Reabilitá-lo e, por extensão, reabilitar a tortura significa descer vários degraus no patamar civilizatório de um país que não é propriamente modelo de civilização.

Significa desprezar profundamente a dignidade humana.

Que cerca de 40% do eleitorado, segundo as pesquisas que simulam o segundo turno, se disponham a votar em um candidato que se gaba de defender comportamento tão vil é, desde já, o estrago causado por Bolsonaro, ganhe ou não a eleição.

Um segundo aspecto, quase tão grave quanto, são as cenas explícitas de autoritarismo que o candidato produziu ao longo do tempo e durante a campanha até ser esfaqueado.

Como, para o meu gosto, democracia é um valor supremo, o problema com a adesão a um candidato autoritário de parte importante do eleitorado é o sinal de que a democracia está falhando.

Sinal, de resto, que está sendo dado em várias partes do mundo, até mesmo nos Estados Unidos, que sempre se gabaram de serem campeões mundiais da democracia. É bom lembrar que, no Relatório Anual da Democracia-2018, centralizado pela Universidade sueca de Gotemburgo, Brasil e Estados Unidos figuram entre os seis países em que houve mais retrocessos no funcionamento da democracia.

Para Marco Aurélio Ruediger (FGV), também na Folha de terça (25), houve uma falha da elite política ao não compreender as jornadas de junho de 2013. Escreveu Ruediger: “[Foi] Uma oportunidade perdida, pois, se o momento galvanizava uma série de insatisfações acumuladas, também possibilitava um aprimoramento cívico substantivo. Para o establishment político, quase todo perplexo, era um inconveniente a ser superado, e não a se adequar. Pagou-se um preço".

Suspeito que parte do preço é a ascensão de um candidato autoritário.

Ou o establishment político aprende a lição de 2018 ou, mais cedo do que tarde, alguém vai acabar fazendo o tal “belo estrago nas instituições democráticas” temido por meu amigo Hélio.
 

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