Conversa é entrevista?

Formato de perguntas e respostas não deve ser banalizado; é exigida perícia do repórter

Crédito - Carvall/Folhapress

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Paula Cesarino Costa
São Paulo

Na apresentação de uma coletânea da revista Paris Review, o jornalista Philip Gourevitch, antigo editor da publicação, disse que a entrevista em perguntas e respostas —no jargão, chamada de pingue-pongue— é a forma original do jornalismo, da literatura e, provavelmente, de todo o conhecimento.

São o eixo dos "Diálogos de Platão", escritos há mais de 2.400 anos, exemplificou. "A transcrição de conversas parece ser o mais natural tipo de escrita, ainda que a entrevista como gênero seja um fenômeno moderno, avolumando-se a partir da metade do século 20", escreveu.

Repetem-se os depoimentos a jornalistas que entraram para a história. Em 1949, Getúlio Vargas anunciou ao O Jornal seu retorno à política. Em 1969, a atriz Leila Diniz disse ao Pasquim o que pensava a nova mulher brasileira. Em 1978, o presidente João Baptista Figueiredo apresentou na Folha seu conceito de "democracia diferenciada". Em 1992, entrevista de Pedro Collor à Veja desencadeou o impeachment de Fernando Collor, sacramentado com a entrevista do motorista Eriberto França à IstoÉ.

Os exemplos mostram que a entrevista tem temperatura e características jornalísticas próprias. Sem querer fazer comparações descabidas ou anacrônicas, duas entrevistas da Folha neste mês geraram correspondência de leitores.

Em 1º de março, a manchete era entrevista feita pela colunista Mônica Bergamo: "'Eu vou brigar até ganhar', diz Lula sobre candidatura". Em 7 de março, foi publicada entrevista de Fernando Henrique Cardoso ao cineasta Fernando Grostein Andrade, colunista da Folha: "Se pudesse reviver a história, tentaria me aproximar do Lula".

O novo "Manual da Redação" traz recomendações específicas sobre a entrevista pingue-pongue: "Formato que reproduz perguntas e respostas em discurso direto. É reservado a circunstâncias excepcionais, em geral quando o entrevistado —ou o assunto de que trata— está em evidência inequívoca. A transcrição deve ser fiel, mas não necessariamente completa".

É incontestável que as entrevistas de Lula e FHC se encaixam na categoria de personagens de "evidência inequívoca". Tanto a do petista, feita por jornalista profissional, que dá uma aula de como deve ser feita uma entrevista, como a do tucano, levada por um cineasta próximo ao entrevistado, buscavam tirar os políticos da zona de conforto. O leitor é recompensado com declarações incisivas, algumas inesperadas, em diálogo vibrante.

A edição de pingue-pongues, entretanto, tem escapado das condições previstas pelo "Manual". Nas Redações, são vistos como preguiça de editores e repórteres, já que são o caminho mais rápido entre a apuração e a publicação do texto.

Desde o último domingo (4), o jornal publicou 17 entrevistas, 11 delas editadas nesse formato. Difícil encontrar tanta excepcionalidade. Em 8 de março, havia dois pingue-pongues em páginas contíguas. Na A8, Rodrigo Maia, pré-candidato do DEM, dizia: "Serei candidato até o fim mesmo contra Temer". Na A9, foi a vez do novo presidente do mesmo partido, Antonio Carlos Magalhães Neto: "Candidatura de Maia não será do governo".

As entrevistas tinham tópicos semelhantes para os dois entrevistados: frágil intenção de votos do concorrente, aliança com Geraldo Alckmin, apoio ou oposição ao governo Temer. Publicadas lado a lado, nada mais fizeram do que entediar duplamente os leitores.

Entrevistas não podem ter clima de colaboração. Um grau civilizado de confrontação faz-se necessário. As perguntas têm de ser elaboradas de forma a procurar revelar pontos obscuros, ideias mal explicadas, comportamentos questionáveis.

Não se trata de agredir o entrevistado, mas de entabular conversação que resulte em algo novo, além do senso comum.

Entrevistas nesse formato revelam muito do entrevistador. Daí a importância do preparo e da atitude do jornalista. O relato das condições da entrevista, do ambiente em que foi feita e do comportamento do entrevistado enriquece o material. É preciso bom senso para decidir quando há interesse e relevância em contá-lo ao leitor.

A jornalista norte-americana Janet Malcom usa termo de difícil tradução para definir entrevistas ruins: "tape-recorderese". Uma síndrome de transcrição literal de falas gravadas em que o jornalista troca as ideias pela "sintaxe bizarra, as hesitações, os circunlóquios, as repetições, as contradições, as lacunas" de não sentenças. É a literalidade perniciosa.

O "Manual" propõe que a entrevista seja fiel ao entrevistado e suas ideias, mas não precisa ser disléxica, titubeante, desconexa.

Com graça, um ex-ministro dizia que conceder entrevista à Folha costumava ser como andar de bicicleta: por mais seguro que o entrevistado estivesse, volta e meia se desequilibrava e tomava um tombo.

O problema é que entrevistar não é como andar de bicicleta ("depois que aprendeu nunca mais esquece"). Exige preparo e perícia de ciclista profissional. É preciso estar sempre em forma.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do afirmado na primeira versão do texto, o retorno de Getúlio Vargas à politica foi anunciado no O Jornal e não na Última Hora.

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