Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Técnico do Ceará, Lisca recusa conselhos para deixar de ser doido

Fiel ao seu estilo, gaúcho faz equipe reagir no Brasileiro e conquista até torcedores rivais

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Alex Sabino
São Paulo

Luiz Carlos Cirne Lima de Lorenzi perdeu as contas de quantas vezes pediram para ele mudar. Aquele seu estilo de trabalhar não o levaria a lugar algum, diziam. Não passava uma imagem boa para o público.

Lisca (à esquerda) comemora gol de Leandro Carvalho em partida do Ceará contra o Flamengo - Marcelo Gonçalves-2.set.18/Photo Premium/Folhapress

“Eu já tentei ser diferente, mas não consigo. O maior privilégio é poder ser quem você é. Eu sou assim e não vou mudar. Se mudo, perco a minha essência e não convenço mais ninguém”, afirma o técnico conhecido como Lisca, 46, atualmente no Ceará.

Lisca, não. Lisca doido. O complemento se tornou fundamental e fez sua fama. “O problema foi explicar para as minhas duas filhas porque todo mundo na escola dizia que o pai delas era doido”, se diverte ele com a lembrança.

Entre os 20 técnicos que comandam equipes da Série A do Campeonato Brasileiro, ele é o único que tem uma canção própria feita pela torcida.

Um hit cantado por milhares de pessoas nos jogos em Fortaleza, dizendo que “saiu do hospício, tem de respeitar. Lisca doido é Ceará.” O homenageado acompanha a música próximo ao alambrado, girando o dedo indicador próximo à têmpora, para mostrar que é louco mesmo.

Não é a primeira vez que ele mostra tal ligação com o torcedor. Lisca subia no alambrado para comemorar os gols quando era técnico do Juventude, em 2013, e fez carreata de um carro só (o dele) para comemorar o acesso do time gaúcho para a Série C naquele mesmo ano.

“Não sou pessoa fria e calculista. Futebol é troca de energia, é vida, emoção. Você se sente vivo”, completa.

Pode parecer incoerente, mas ao mesmo tempo que não abre mão do seu jeito de ser, Lisca embarcou em uma missão de desmistificar a imagem que muitas pessoas têm dele. Reconhece que times de maior expressão podem ter reservas em contratá-lo por causa do estilo pouco comum.

Lisca é passional, emotivo, vive os 90 minutos à flor da pele. Mas não é bobo.

Quando foi contratado, no início de junho deste ano, o Ceará era o lanterna do Brasileiro, com três pontos após nove rodadas da competição.

Hoje com 30, a equipe está em 17º, ainda na zona de rebaixamento, mas tem um jogo a menos que os adversários. Se vencê-lo, vai para 13º.

Se fossem considerados apenas os pontos conquistados após a paralisação para a Copa do Mundo, o Ceará estaria em quinto. São 7 vitórias em 18 jogos sob o comando de Lisca. Entre as vítimas, estão Corinthians e Flamengo.

É essa a plataforma que ele tem usado para mostrar que seu jeito pouco usual de se comportar à beira do campo não é folclore. Dá resultados.

“Eu tenho uma história como treinador. São 28 anos na profissão, comecei em 1990. Eu não fui jogador famoso, não tenho empresário. Não fossem pelos resultados do meu trabalho, não chegaria aonde estou chegando. Quero desmistificar essa imagem de que clubes grandes não me contratariam. A questão de me chamarem de doido não é pelo lado pejorativo”, explica.

Nem sempre deu certo. Ele não gosta de entrar em detalhes, mas entrou com um processo contra o Paraná Clube após ser demitido por brigar com o auxiliar Matheus Costa, no ano passado. Também teve problemas no Náutico em 2015, não se entrosou com os jogadores e saiu.

Lisca está tão habituado a ouvir as mesmas restrições que tem as respostas para elas na ponta da língua.
É especialista em salvar equipes do rebaixamento, por exemplo. Ou não consegue fazer trabalho de longo prazo em time nenhum. Só dá certo por alguns meses.

“Qual treinador brasileiro não é bombeiro? Todo mundo é interino. Todos os clubes em que passei, voltei depois. Isso mostra que a imagem que deixei foi boa.”

Aconteceu no Ceará. Ele chegou pela primeira vez em 2016, e a chance de rebaixamento para a Série C era de 98%. O time se salvou.

 A reação de 2018 chama a atenção porque o presidente  Robinson de Castro, antes do início do Brasileiro, disse de maneira informal a amigos considerar difícil continuar na Série A por causa da restrição orçamentária.

A arrecadação do Ceará em 2017 foi de R$ 31,9 milhões. A do Palmeiras, atual líder, foi de R$ 503 milhões.
Lisca aceitou o convite porque era um desafio. Se já havia feito o mesmo em 2016, quando estava na Série B, por que não tentar repetir dois anos depois, na elite?

“A autoestima era baixa. Com pequenos passos, pequenas vitórias, você faz os jogadores acreditarem que é possível reagir. Nos primeiros jogos, empatamos com Botafogo e Palmeiras. Temos um time jovem. Os zagueiros nunca jogaram na Série A. O goleiro também”, afirma.

A ascensão na tabela e os bons resultados levaram os holofotes para Lisca e seu estilo heterodoxo de fazer as coisas. Nascido em Porto Alegre em uma família de torcedores e jogadores do Internacional, ele passou pelo clube do coração em 2016 para tentar fazer mais uma equipe escapar do rebaixamento.
Não conseguiu. Por isso reconhece ter sido o único trabalho em que não obteve o desempenho que esperava.

Em casa, no Rio Grande do Sul, Lisca não conseguiu ser feliz como é no Nordeste. Em Fortaleza, ele virou personalidade reverenciada até pelas torcidas adversárias. É a parte em que a imagem do técnico doido o ajuda a ter identificação com o público.

Na definição do próprio treinador, ele é uma pessoa quente. Como é o nordestino.

“O torcedor do Nordeste é diferente dos outros. É sentimento muito próximo. O Nordeste combina comigo. Vejo preconceito com o nordestino e aqui tem muita gente grande, que colabora para a cultura do país. Sou um guerreiro que abraça a causa. É isso que me falam na rua. Sou como eles”, conclui Lisca, que onde estiver espera carregar o complemento no nome.

“Mas eu sou um doido que sabe o que faz.”

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