Banda Karnak volta com lado mais político após 18 anos sem inéditas
Liderado por André Abujamra, grupo apresenta a ópera-rock 'Nikodemus' em São Paulo
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Dezoito anos é o intervalo para que um ser humano deixe de sujar as fraldas e comece a beber, dirigir e votar (não necessariamente nessa ordem). É também período mais do que suficiente para a ascensão e a queda dos piercings de umbigo. Ou, então, para que nomes como bug do milênio, Luka e ICQ escorram pelo ralo.
Dezoito anos é o que separa a banda brasileira Karnak de suas últimas músicas inéditas. Foi em 2000 que a big band liderada por André Abujamra lançou "Estamos Adorando Tóquio", terceiro e último álbum do grupo, que trazia faixas como "Juvenar" e "Zoo".
Último até agora. Depois de passar todo esse tempo fazendo só apresentações esporádicas e comemorativas, o Karnak está de volta com "Nikodemus". Formado por cinco novas composições, o projeto é uma ópera-rock que deve ser lançada como álbum em 2019 e será apresentada pela primeira vez neste fim de semana, em dois shows em São Paulo.
"Quando acaba a narração, você entra", orienta Abujamra. "Esse clique é a deixa, Cabello", diz ele para o guitarrista que faz parte do grupo desde sua fundação, em 1992. "A última música ainda não está tão redonda porque a gente decidiu mudar e fazer uma coisa mais maluca", explica, durante ensaio em um estúdio na paulistana Vila Leopoldina.
É o músico quem compôs praticamente todas as letras e bolou a narrativa da apresentação, que mistura show e teatro. "O André vem com o filé cru, e a gente amacia a carne", esclarece o cantor e trompetista Marcos Bowie.
A ideia de contar uma história com músicas surgiu quando Abujamra ouvia pela milésima vez "Tommy", a ópera-rock lançada em 1969 pelos ingleses do The Who, que tem clássicos como "Pinball Wizard" e "The Acid Queen".
Na versão karnakiana, o roteiro gira em torno de um rei que adora inventar coisas que não existem, mas um vilão deseja roubar essas criações —conflito que culmina em uma batalha entre a criatividade e a caretice.
Cada um dos dez músicos (oito pertencentes à formação original, que contava com 12 pessoas e um cachorro) interpreta um personagem. Além do monarca e de seu antagonista, há um astronauta, um macaco azul, prisioneiros medievais e um cavaleiro errante. Todos habitantes de um cenário extraterrestre, em algum ponto fictício do espaço.
Mas muito se engana quem acha que a escolha pela locação intergaláctica seja uma forma de escapismo. Ou que agora eles estejam odiando Tóquio. Ou, como diz uma das letras mais conhecidas do grupo, porque o mundo é pequeno pra caramba.
"É uma metáfora do que vivemos hoje. O momento histórico está pedindo uma coisa dessas, um chamado para as pessoas se unirem, dar a mão para o outro", diz o baixista e guitarrista Mano Bap, que interpreta o vilão da ópera rock.
De fato, "Nikodemus" é o trabalho mais político da banda, que surgiu no caldeirão do impeachment de Fernando Collor, no início dos anos 1990, cantando "comendo uva na chuva".
Agora, a canção interpretada pelo antagonista fala em ganhar o seu voto e entregar ditadura, cita borracha, bala e golpe, enquanto o músico faz com as mãos a pose de arminha que ficou famosa durante a campanha de Jair Bolsonaro à Presidência neste ano.
Mas o álbum não é transformado em algo militante. Ao contrário. A produção busca manter o mesmo bom humor que deu fama à banda, a escolha por rimas inusitadas e uma curadoria musical refinada —que passa pela mistura de ritmos de diferentes partes do mundo, uma valorização dos metais no palco e duas baterias em cena.
A sonoridade que se conecta com as antigas composições acaba gerando a ponte para segunda parte do show que será apresentado em São Paulo. Se os primeiros 50 minutos serão dedicados à história de "Nikodemus", a outra metade apresentará canções mais famosas da big band, como "O Mundo", "Alma Não Tem Cor" e "Balança a Pança".
"O Mano tem uma teoria de que o Karnak é um albatroz. É todo desengonçado, esquisito, você nem acredita que consegue voar. Mas, de repente, voa", diz Abujamra.
Nikodemus
Sáb. (15), às 21h, e dom. (16), às 18h. Sesc Bom Retiro - Al. Nothmann, 185, Campos Elíseos, São Paulo. Ingressos esgotados.