Eleições na Itália expõem resiliência de Berlusconi, mesmo inelegível

Ex-premiê da Itália mantém influência sobre qual será principal força política do país

O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi mostra livro de sua autoria durante evento de campanha para a eleição na Itália - Flavio Lo Scalzo - 25.fev.2018/ANSA/Associated Press

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Diogo Bercito
Nápoles

Após duas décadas no centro da política italiana, o ex-premiê Silvio Berlusconi foi derrotado em 2011 em uma votação parlamentar. "Traidores", rabiscou em um pedaço de papel sobre seus ex-aliados. Ele então renunciou.

Parecia, à época, que o ex-premiê jamais teria a oportunidade de se vingar. Acusado de corrupção e conhecido por suas orgias com prostitutas e por seus comentários racistas, ele era tratado como algo do passado.

Uma surpresa aos inimigos, porém: o bilionário está de volta para as eleições deste 4 de março. Com vontade de acertar as contas, dizem aliados.

Berlusconi, 81, é a principal voz da aliança de centro-direita que aparece em primeiro lugar nas sondagens eleitorais, incluindo seu próprio partido, a Força Itália.

O ex-premiê não volta ao cargo porque, ao ter sido condenado por fraude fiscal, é inelegível. Ainda assim, influente, poderá determinar quem terá o poder na quarta maior economia da Europa.

Sua aliança de centro-direita deve ter 37,5% dos votos, segundo uma pesquisa do Termômetro Político. O antissistema 5 Estrelas, por sua vez, deve ter 26,3%. O Partido Democrático do ex-premiê Matteo Renzi, 21,3%. A pesquisa ouviu 4.500 pessoas de 12 a 16 de fevereiro. A margem de erro não foi divulgada.

Berlusconi, uma espécie de Donald Trump dos anos 1990, retorna para preencher o vazio que ele mesmo deixou.

"O sistema político não produziu alternativas viáveis, então ele continua sendo a única alternativa para muitos", diz à Folha o cientista político Giovanni Orsina, autor de estudos sobre o ex-premiê. "Ele é uma pessoa bastante dura e tem recursos o suficiente, psicológicos e financeiros, para persistir", incluindo um império midiático, afirma.

O ex-premiê é visto como uma espécie de "menor dos males", na versão italiana do "rouba, mas faz". Eleitores temem a direita ultranacionalista da Liga Norte, vista como agressiva demais, e o 5 Estrelas, considerado inexperiente. "Com Berlusconi, você sabe o que está comprando, mesmo que não seja muito bom", afirma Orsina.

Isso não significa que os eleitores tenham ignorado as acusações de corrupção.

O Força Itália, se computado fora da aliança de centro-direita, deve ter 15,9% dos votos —longe dos 37,4% que Berlusconi teve em 2008. Mas há um limite, diz o pesquisador, para o quanto essas acusações podem ferir o ex-premiê.

"Boa parte dos italianos não acredita no Judiciário. Esses eleitores creem que, para sobreviver, um empresário tem de ser mesmo corrupto de alguma maneira. Que, se ele pagar todos os impostos, vai ter de fechar sua loja."

Empresários e lojistas eram a base eleitoral de Berlusconi, ao lado de donas de casa e desempregados —grupos bastante heterogêneos, diz Orsina. "Não sabemos que parte desses simpatizantes permaneceu fiel a ele, após as acusações, e não conhecemos mais seu eleitor."

Atraídos por seu carisma há novos simpatizantes: idosos e amantes dos animais, convencidos por suas recentes campanhas acariciando cachorrinhos e dando mamadeiras a cordeiros. Ele passou a ser visto como um simpático "vovô Berlusconi".

Berlusconi marcou a política com seus três mandatos (1994-1995, 2001-2006 e 2008-2011) e com os escândalos que protagonizou. Certa feita, referiu-se à chanceler alemã, Angela Merkel, como "bunduda incomível", segundo relatos. Suas orgias são relembradas pelo nome que colou, "bunga bunga".

"Sua principal contribuição foi ter virado de cabeça para baixo a visão então predominante na Itália de que o Estado é melhor do que a sociedade, de que a coisa boa é a pública", diz Orsina.

"Berlusconi inverteu esses valores, convencendo os italianos de que o errado é a política. Nisso, ele é uma cria dos anos 1980, da ideia de que a sociedade civil e o mercado funcionam sozinhos."

OCASO

Em paralelo à ressurreição de Silvio Berlusconi —que uma vez disse ser o "Jesus Cristo da política"— há a história de um ocaso político.

Estas eleições foram convocadas após o fracasso do governo de centro-esquerda de Matteo Renzi, do Partido Democrático. Aos 39 anos, o carismático Renzi tornou-se premiê em 2014 representando a aposta italiana para encerrar a "política de sempre". Mas a promessa não vingou.

Em 2016, Renzi fez um referendo para aprovar sua reforma das leis eleitorais. Ele atrelou seu futuro político à aprovação da lei, mas perdeu com 59% dos votos no "não".

O premiê renunciou em seguida, publicando a fotografia de um papel rabiscado com a sua assinatura e os dizeres "ciao a tutti!!!" (Adeus a todos, em italiano).

Há rumores de que ele lidere uma lista centrista para concorrer ao Parlamento Europeu em 2019.

 

CRONOLOGIA DE BERLUSCONI De aspiradores de pó a 'bunga bunga'

29.set.1936
Silvio Berlusconi nasce em Milão. Em sua juventude, vende aspiradores e canta em clubes noturnos

1961
Se forma em direito na Universidade de Milão e funda uma empresa de construção

1971
Cria o canal a cabo Telemilano, inaugurando o que será seu império midiático

1993
Funda a Força Itália, seu partido. Um ano depois, vence as eleições mas sua coalizão dura sete meses

2001
Reeleito, seu segundo governo é o mais longevo na Itália desde a Segunda Guerra (1939-1945)

2008
Eleito pela terceira vez; seu governo passa por 50 moções de censura durante três anos

2011
Acusado de pagar prostituta menor de idade; derrotado em votação parlamentar, renuncia

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