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INDIANISMO
Idealização
do índio
moldou a cultura nacional
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Fotos
Arquivo Jorge Coli
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"Estátua equestre de Pedro 1º", de Louis Rochet, inaugurada
em 1862
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JORGE
COLI
especial para a Folha
A cultura brasileira criou um tecido de lendas sobre ela própria.
O indianismo toma aí um lugar prevalente. Surgido no final do século
18, energizou-se com o romantismo e o Império para adentrar no século
20, atualizado pelos modernistas e pelo Estado Novo.
É mais do que uma corrente artística ou literária, é um modo de sentir-se
brasileiro, uma parte de nossa identidade.
A ele, mas numa ordem subalterna, vincula-se o outro mito, das três
raças que se fundem numa vibração nacional desde, elo menos, o século
17, desde a batalha de Guararapes e a expulsão dos holandeses. Brancos
e negros,entretanto, por razões não muito difíceis de intuir, permanecem
em segundo plano.
O antepassado verdadeiro, é o índio, superior ao negro porque autóctone,
porque livre nas matas, e injetando na mestiçagem com o branco, o
sangue de uma especificidade, que nos diferencia dos europeus. Martim
e Iracema unem-se no romance de Alencar como João Ramalho unia-se
a Bartira nos primórdios da história brasileira. Tudo isso é pura
ficção, naturalmente. Mas as ficções tornam-se verdades quando acreditamos
nelas. O século 19 brasileiro não cessa de fabricar essas ficções
mais verdadeiras que qualquer verdade. A um tal ponto, que elas formam
um véu muito espesso.
O olhar brasileiro sobre si fez-se puramente mental, imaginário, alimentando-se
dos próprios fantasmas. Com raras exceções, é um olhar que não observa,
que é incapaz de observar, que é incapaz de dialogar com o mundo à
sua volta. As imagens que nos vieram do século 19 brasileiro, são
reveladoras. Os artistas nacionais expressam um magnífico universo
poético. Mas são os estrangeiros que buscaram conservar a imagem do
que percebiam à sua roda. Sem a catarata do indianismo, Rugendas,
Debret, entre outros, fixaram, com olhar lúcido, a violência e os
ridículos de uma sociedade provinciana, assentada sobre o trabalho
dos escravos. Eles veriam também um outro índio, muito diferente do
nobre antepassado lendário.
Há um ótimo caso de cruzamento entre projeto brasileiro, olhar de
fora,“alta” e “baixa” cultura. Ele tem como pivô o monumento a D.
Pedro I,inaugurado em 1862, no Rio de Janeiro. Seu autor é o francês
Louis Rochet, apesar do confuso concurso que premiou o brasileiro
Mafra, cujo projeto veiculava certamente uma idéia de Porto-Alegre.
A concepção geral, uma estátua eqüestre e figuras de índios representando
rios brasileiros, devia ser de Porto-Alegre. A realização do monumento,
de fato, coube a Rochet.
O escultor
francês vem ao Brasil. Autor de alguns monumentos eqüestres, ele possuía
uma característica singular. Era apaixonado por culturas exóticas.
Dominava o chinês ao ponto de ter escrito uma gramática dessa língua.
Ao chegar no Brasil, interessa-se por tipos físicos. Modela, por prazer,
o busto do escravo que o servia provavelmente a única escultura em
bronze de um negro brasileiro em sua época. Quer, para as alegorias
dos rios, modelos brasileiros, dos quais realiza uma série de esboços
em argila.
Isso era muito novo; um crítico contemporâneo, na França, assinala
a originalidade. Chaves Pinheiro, ainda em 1872, estaria modelando
seu esplêndido “índio brasileiro simbolizando a nação brasileira”:
uma estátua grega vestida de tanga.
O século 19 assistiu ao esvaziamento dos monumentos oficiais, a denúncia
de seu caráter fabricado e um pouco impostor. Quando o a estátua de
Pedro I, de Rochet é exposta no Salon, em Paris, o caricaturista Cham
mostra-se impiedoso. A sua piada, no entanto, vai sobretudo ao tema
do monumento e não ao seu aspecto.
No Brasil, mesmo antes de sua chegada, ele provoca violentas reações
na oposição ao regime: Pedro Luís denomina-o “a mentira de bronze”.
Mas é Ângelo Agostini, gênio formidável da caricatura, que irá retomar
muitas vezes a estátua para fustigar Pedro 2º e a monarquia.
No entanto, ele respeita a obra de Rochet na sua beleza e na sua força.
Quando faz os personagens despencarem do pedestal, trata-os com delicadeza.
E, ao mostrar Pedro 2º cavalgando uma lesma, dispondo seus ministros
na base, em lugar dos índios, é o contraste com a fuga romântica do
bronze que produz a crítica. Um desenhista anônimo, logo depois da
inauguração do monumento, em 1862, chegará a um apogeu surrealista;
sobre um rochedo pontudo, um pedestal de tijolos em forma de pirâmide
se equilibra; sobre o pedestal, um pangaré escoiceia.
Em cima do cavalo, é a vez de Pedro 2º, com uma castanha de caju
no lugar da cabeça (era o mote de vários desenhistas representar as
feições do imperador desse jeito), equilibrar-se, trazendo, na mão
direita, sua análise da Confederação dos Tamoios, e na esquerda, um
cacho de bananas.
O monumento de Rochet foi além do esperado. Não se conformou com as
convenções do gênero. Inovou, desprezando as alegorias impessoais,
buscando tipos humanos que encontrava aqui. Afirmou-se com força,
alimentou o debate político, provocou invenção de imagens e inseriu-se,
de modo muito complexo, dentro dos sonhos e pesadelos da nossa cultura.
Leia mais: Ocupação
foi lenta nos dois primeiros séculos
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