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Serra da Capivara: Mural da Pré-História

da enviada especial a Piauí

Um mural com pinturas da Pré-História está escondido no sertão brasileiro, no parque da serra da Capivara. Tigres, macacos e lagartos foram pintados nas paredes das tocas pelos homens que habitaram o continente há milhares de anos. Mas não é só isso. Cenas da vida dos povos pré-históricos, como caça, luta e dança, também foram deixadas nas paredes. "É legal preservar os desenhos. Eles contam histórias", diz Edivaldo Paes Neto, 8, que mora perto do parque.

Juliana Alves de Sousa, 9, fala que as manchas nas paredes são pinturas que se apagaram com o tempo. "Adoro comparar os bichos do passado com os de hoje."

Nos mais de 500 sítios arqueológicos da região, ainda foram encontrados fósseis de animais, pedaços de cerâmica e esqueletos humanos.

Para conhecer esses achados, você tem que visitar o Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato. É na exposição, aliás, que a visita deve começar.

Lata d'água na cabeça
Todos os dias, Samara dos Santos (foto acima), 7, vai buscar água com sua mãe em um poço próximo à sua casa, em São Raimundo Nonato. "É fácil equilibrar", diz a menina.

Essa é uma cena típica do Piauí: mulheres e meninas levam latas d'água na cabeça de um lado par o outro. Isso ocorre porque a falta de água é um dos grandes problemas do Estado.

Achado da caatinga
Caninos do tigre-de-dente-de-sabre foram encontrados na área do Parque Nacional da Serra da Capivara, principalmente na toca de Cima dos Pilão.

Ferramentas de pedra feitas pelos homens pré-históricos estão expostas no Museu do Homem Americano. Eram usadas como armas ou como instrumentos para martelar, raspar e cortar.

Fogueira de 50 mil anos
Na toca do Boqueirão da Pedra Furada, a arqueóloga Niède Guidon encontrou restos de uma fogueira que tem cerca de 50 mil anos. Se essa idade estiver correta, a descoberta muda a história de ocupação do continente americano. A toca do Boqueirão da Pedra Furada seria a mais antiga morada dos povos pré-históricos até hoje. Mas vários pesquisadores não acreditam que isso seja possível, pois acham que a fogueira foi produzida por fogo natural -em vez de ter sido acesa pelo homem. Eles dizem que o homem chegou às Américas pelo estreito de Bering, há bem menos tempo. Niède questiona os outros cientistas: "Quem garante que os povos da Pré-História não entraram por outros caminhos?".

Pinturas têm vários estilos
As pinturas rupestres foram feitas por diversos grupos pré-históricos em períodos diferentes. Estudiosos explicam que há duas tradições (tipos de escola) da arte da Pré-História: a Nordeste e a Agreste.

A tradição Nordeste, que é predominante, existe há pelo menos 12 mil anos. Seus desenhos, figuras humanas ou animais, sempre mostram algum movimento. Já as pinturas da tradição Agreste têm desenhos canhestros e quase nunca mostram ação, com exceção das cenas de caça. Em algumas tocas, você vê uma mistura de registros das duas escolas.

Lenda do Bicho Gritador
A história que vou contar é de uma criatura que eu chamo de Bicho Gritador. O povo pensa que é mentira, mas quase todo mundo se afogou com medo daquele animal.

Foi em 1964, no dia 4 de novembro, quando eu fazia uma travessia de 17 léguas, que eu vi o bichão. Não existia ninguém no caminho.

Tinha dado uma chuvinha e uma ave que se chama zabelê cantou na minha frente, mas era um cantado diferente. Eu amarrei o meu jumentinho num canto e, de repente, vi aquele bichão cabeludo sentado no meio da estrada. Eu digo para você: um dos músculos dele já dava todas essas pernas minhas aqui, pela fé de Deus.

Eu nunca tinha tido medo de nada, andava sozinho naquela caatinga, mas quando eu vi aquele bicho me deu um nervoso tremendo.

A cara e os olhos do bicho eu não via porque era todo cabeludo e preto. Dava dois de mim. O bicho gritava.

Eu comecei tremer. Aí eu segurei uma espingarda na mão, era uma espingarda boa, estava com o facão na cintura. E, ele continuou sentado. Aí eu não sabia se eu olhava para o bicho ou se eu corria. A coragem não deu para nada, fiquei parado mesmo.

Aí não, aí foi que a coragem acabou. Aí foi quando a coragem acabou toda. Aí eu fiquei sem saber o que eu fazia, mas ele procurou sair da estrada. O vento estava... ula, ula, ula.

Soltei o jumentinho e fomos embora correndo. Nós corremos assim mais ou menos meia légua aí. Quando começou a escurecer, eu parei num lugar e cendi uma fogueira. Pensei: aqui o bicho vem para me pegar.

Cortei um bocado de pau, botei o facão de lado e deitei na rede até o dia amanhecer. Não dormi não, só vendo o fogo, vendo o fogo, vendo o fogo. Aí passei a noite, quando foi de manhãnzinha fui embora.

Cheguei lá na casa do compadre Vieira. Ele me perguntou:

- Compadre, você está doente?
Disse: Por quê?
- Você está amarelo, peste.
Aí eu fui embora, mas não contei nada a ele.
Eu cheguei lá em casa, eu morava mais meu pai. Eu caçava na parte da tarde eu passei, estava com 18 dias sem caçar. Aí meu pai desconfiou: menino o que é que você tem que está com 18 dias que você não caça mais? Você gostava de caçar todo dia, você não caça mais?

Eu falei: nada.
Nada não, você viu uma coisa, me conte. Mas era meu pai. Pai eu vou lhe contar, mas não conte para ninguém. Não, me faz vergonha, não me conte para ninguém. Esse negócio de matar a onça, fazer tudo, eu não tenho medo de nada para cortar o medo, rapaz, aí eu passei.

Meio-dia saiu nas casas contando para todo mundo. Uns acreditavam, outros não acreditavam. Mas o medo ficou.

Tinha gente que dizia que eu era mentiroso, que andava por aí tudo e não via nada.

Aí não demorou um mês. Um rapaz foi até aquele lugar mais uma sobrinha dele, olha lá o bicho. Os cachorros assombraram, correram, ele entrou numa toca.

É aí eu consegui que um acreditasse em mim. E várias e várias pessoas aqui assombraram com medo do bicho.

Mas aí já faz muito tempo e ninguém fala que vê. Acho que ele morreu de velho aí.

Tem uma mulher, a Maria do Raimundo, a da Pitombeira, que já viu ele. Mas ele já estava velhinho, com os cabelos brancos. Agora, quando foi um tempo desse, eu estava em Goiânia e vi o Circo Garcia. Aí eu vi um animal assim que trazia, eu vi esse bicho, voltou, o animal estava. Era o King-Kong, aquele macaco, um chimpanzé, um gorilazão.

Um homem do circo disse que um companheiro dele saiu da jaula no Amazonas e foi parar no Piauí. Aí ele disse: você me pega esse bicho eu lhe dou 2.500 contos.

E o senhor procurou?
- Eu não (risos), Deus me livre.
Pois e, essa história existiu mesmo, ao contrário, porque a verdade não deve existir sozinha nela mesma, por desejo. Foi o único medo que eu tive na minha vida de animais ... Animais do passado.


História contada por Nilson Alves Parente, 67, que já caçou mais de 70 onças na região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.


Animais pré-históricos

Palaeolama
É é parente das lhamas atuais. A palaeolama chegava a pesar entre 300 e 400 quilos e tinha o focinho alongado. Desapareceu do planeta há cerca de 10 mil a 8.000 anos.

Eremotherium
Parente distante das preguiças atuais, esse animal chegava a pesar mais de cinco toneladas. Era herbívoro, mas não vivia pendurado nas árvores como as preguiças de hoje. desapareceu há 10 mil anos.

Haplomastodon
Era o mastodonte, animal parecido com o elefante, só que mais baixo e mais comprido. Suas defesas eram um pouco curvadas, e o mastodonte podia pesar mais de cinco toneladas.

Smilodon
É o popular tigre-de-dentes-de-sabre, poderoso carnívoro que tinha uma cauda curta e grande caninos superiores. Podia pesar até 300 quilos e sumiu do planeta há cerca de 10 mil anos.

Glyptodon e Panochtus
Esses animais eram parecidos com tatus, porém com o tamanho de um Fusca. Alguns deles tinhas uma bola espinhosa na ponta da cauda, usada como defesa. Viveram até 9.000 e 8.000 anos atrás.


Fonte: livro "Parque Nacional Serra da Capivara", da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham).


Estilingue é baladeira no sertão
Com baladeiras na mão, os irmãos Sávio, 7, e Talerson Souza Villanova, 8, e o amigo Brasiliano Cesarino da Silva, 14, percorrem a região da caatinga atrás de animais. "A gente caça preá, tatu e inhambu na caatinga", contou Talerson, que mora em São Raimundo Nonato, cidade próxima ao parque da Serra da Capivara.

Lá baladeira significa "estilingue", que é feito com madeira, borracha e couro. O hábito de caçar é antigo na região, e as crianças aprendem tudo sobre a caça desde pequenas. "Aprendi a caçar com o meu pai", diz Talerson.

No Piauí, o bode é um animal apreciado na culinária. Mas não só o bode que os meninos dizem comer. "Adoro carne de tatu", revela Talerson. "Eu também", dizem, ao mesmo tempo, Sávio e Brasiliano. Eles também preá.

"Hoje fui caçar inhambu e quase cai no meio do mato", conta Brasiliano. O garoto diz que já pegou a espingarda do pai escondida para pegar tatu. Os meninos falam que é comum levar facão nas andanças pela caatinga.

No entanto os garotos sabem que a caça é proibida em todo o país. "O pai matou um peba (tatupeba) escondido, o homem do Ibama viu e deu um tiro. Aí ele saiu correndo", conta Talerson.

"Vocês não têm dó dos bichos?", pergunta a repórter. "Quando a gente come, dá dó de matar sim", responde Talerson.

Balé na caatinga
O salto do jumento, o vôo das andorinhas e as brincadeiras dos macacos servem de inspiração para os passos das crianças do Sítio do Mocó nas aulas de balé. O cenário das aulas? A caatinga.

Esse foi um dos jeitos que a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) encontrou para dar uma ocupação às crianças. Assim, elas não correm risco de se embrenhar no sertão e caçar algum animal silvestre.

"Ser dançarino é bom. Quando a gente faz algum movimento de dança, sente uma energia forte no corpo", explica o aluno Felipe Silva Campos Paes, 11.

Marisa Lima Miranda Souza, 7, conta que as crianças também imitam as pinturas rupestres das tocas. "A idéia é que elas se identifiquem com aquilo que está no seu cotidiano", diz a professora Lina do Carmo.

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