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20/06/2008
Carta da semana

As faltas de um professor


“Sou professor efetivo do Estado de São Paulo desde 2006. No meu primeiro ano, dei aula em uma escola na cidade de Cosmópolis. Era terrível, sofri, inclusive, assédio moral por parte da direção. Lá tentavam me obrigar a maquiar as notas dos estudantes para que a escola tivesse um resultado melhor. Na prática funcionava assim: o estudante não fazia nada, nenhum trabalho, faltava às aulas, me desrespeitava e eu era pressionado a não dar nota D (na época dávamos conceitos A, B, C, D, E). Eu não cedi às pressões e mantive as notas, mas muitos alunos foram aprovados na marra, mesmo tendo ultrapassado o limite de faltas.

Enfim, nesse ano eu tive 23 faltas. Acho isso péssimo. Foram 6 faltas abonadas (o governo paga os professores por 30 dias de serviço, então, para compensar os dias que não paga temos direito a abonar seis faltas, uma por mês. Isso não é um favor!), sete faltas justificadas (ônibus que quebrou, imprevistos e afins) e 10 faltas médicas. Dessas 10 faltas médicas: uma foi devida a um acidente de moto (mesmo tendo sido hospitalizado só recebi atestado para um dia!), três devido à retirada do siso e as outras por problemas de saúde decorrentes do acidente e das condições de trabalho.

Naquele ano consegui a famigerada remoção para uma outra escola, na periferia de Campinas, com a presença de integrantes do PCC, de drogas, de violência e tudo mais. No entanto, as condições de trabalho eram melhores e em 2007 eu tive somente uma ausência, devido a uma paralisação. Nenhuma falta justificada, nem faltas médicas. Conto isso só para vocês saberem um pouco da realidade do professor (isso é só um pouco!). Se eu não tivesse conseguido a remoção teria ficado naquela escola, sendo assediado, ficando doente devido às condições de trabalho e provavelmente meu desempenho seria ainda pior.

Sobre o decreto do Serra, não é tudo no decreto que está ruim. O grande problema é mudar as regras no meio do jogo, ou seja, milhares de professores ingressaram no serviço público sob determinadas condições, com determinados direitos, e agora as regras mudam. Mudam sem prazo de adequação, sem discussão prévia nem com os professores, nem com estudantes, nem com ninguém. Interessante que qualquer mudança para empresas - como adequação a novas regras ambientais - leva anos, até décadas para ser implementada. Já os professores têm de se adaptar da noite para o dia, pois este decreto passa a valer a partir do dia de sua publicação.

Pois bem, além disso, nosso salário base inicial é menos de dois salários mínimos, R$ 810, 00, e não recebemos reajuste (reposição da inflação, não é aumento!) desde 2005. E antes disso o último reajuste remonta a tempos imemoriais!

Então, devido ao péssimo salário, às condições de trabalho degradantes e ao autoritarismo do Governo eu estou em greve.”
Geraldo Witeze Júnior, professor de história - woitze@yahoo.com

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