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REFLEXÃO


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urbanidade
01/02/2006
Fábrica de criatividade

Formado em música e informática, Denilson Shikako, de 29 anos, resolveu transformar o assassinato do pai por assaltantes, em 2000, num luto produtivo. Com a ajuda de amigos, familiares e pequenos empresários, ergueu um centro cultural no Capão Redondo, uma das regiões mais violentas de São Paulo, onde o pai nasceu e morreu baleado. "Foi o jeito que encontrei para tentar lidar com a perda e fazê-la, de algum jeito, um ganho." Os assassinos eram jovens.

Inspirado em experiências da Europa e dos Estados Unidos para a descoberta de talentos, Denilson passou os últimos seis anos angariando recursos para criar, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, o que batizou de "fábrica de criatividade". Na região, há uma absoluta falta de opções culturais; a imensa maioria dos jovens, por exemplo, nunca foi sequer ao cinema.

Em meio à paisagem sombria e cinzenta, o prédio, em forma de uma pequena fábrica antiga, exibe cores fortes. A porta de entrada é feita de bolas de gude e o piso utiliza sobras de garrafa. As paredes dos banheiros, onde sempre existem canetas hidrográficas à disposição, são lousas de cerâmica para que as pessoas se manifestem livremente, compartilhando pensamentos. A chaminé serve como mirante. São oferecidas aulas de música e de artes plásticas, de história em quadrinhos, passando pelo grafite, até animação em três dimensões. Há uma orquestra que usa sucata para ensinar música erudita.

O problema é que a contabilidade de Denilson desafinou. Ele calculou que as mensalidades sustentariam o projeto. Com as sobras, se ofereceriam bolsas. Exatamente ao lado da "fábrica", existe uma escola estadual e, a poucos metros, uma municipal. Boa parte dos estudantes não tem o que fazer depois da aulas.

"Quem não gosta de aprender a se expressar pela arte?" Antes de partir para a empreitada, Denilson mantinha uma pequena escola de música na garagem de sua casa, mas sua sobrevivência vinha mesmo da informática. Resolveu dedicar-se ao centro cultural. No final do ano passado, viu-se obrigado a vender um carro e a esvaziar a sua poupança. Está batendo de porta em porta e ainda não sabe como pagar as dívidas que começam a se avolumar. "Não sei o que fazer." Nesse momento, assiste ao projeto morrer com uma sensação de impotência que o remete à imagem do pai atingido por uma bala no coração.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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