HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

folha de s.paulo
03/08/2005
Meninas da esquina

Eliane Trindade tinha muitas dores a confidenciar aos seus diários. A família começou a desmoronar quando sua mãe teve de deixar, com as duas filhas, Jaguaquara, cidade baiana de 20 mil habitantes, para se tratar em Brasília. Por questões financeiras, o pai não pôde acompanhá-las. "Como gostava de escrever, sempre ia tomando notas sobre o que via e sentia." Essa combinação de dores e diários serviu como inspiração para uma experiência editorial, cujo resultado será lançado neste mês.

Eliane se tornou jornalista e, depois de morar em Brasília, mudou-se para São Paulo, onde começou a trabalhar na revista "IstoÉ Gente". Há três anos, teve a idéia de escrever uma reportagem sobre a exploração sexual de meninas. "Senti que todo aquele material só cabia num livro."

Preferiu, porém, virar co-autora. Convidou seis adolescentes a contarem suas histórias em estilo de diário. Nos encontros com elas, Eliane dava dicas sobre como escrever os textos e lia diários juvenis famosos como o de Anne Frank, a menina que viveu num porão, escondida dos nazistas. "Elas tinham de aprender a separar a realidade da fantasia." Não era fácil.

Uma delas começou a se prostituir aos nove anos de idade, abusada por familiares. Há relatos sobre envolvimento com redes de traficantes de drogas, acertos com policiais ou as mais variadas formas de humilhação sexual. A rotina era a violência e o anonimato.

Dessa experiência de múltiplos diários, nasceu "Meninas da Esquina". "Nunca tive contato com tanta vulnerabilidade." Comparado ao que ocorreu em sua vida, Eliane até que se sentiu, olhando agora, razoavelmente protegida mesmo quando sua família desmoronou.

Durante a elaboração dos textos, Eliane ia se surpreendendo com a sensibilidade das meninas. Certa vez levou uma das autoras, Natasha, que nunca tinha entrado num museu, ao Masp.

Diante de um quadro de Antônio Peticov em que aparece uma escada rumo ao céu, Natasha se projetou na obra: "É assim que me sinto nesses dias. Olho pro céu e peço para sumir deste mundo e esquecer meus problemas".

São autoras, mas não é desta vez que as meninas sairão do anonimato. Como ainda são exploradas sexualmente ou não tiveram a coragem de expor as verdadeiras identidades, optaram por proteger-se em nomes inventados.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
02/08/2005 Petistas articulam Marta para a Prefeitura de São Paulo
01/08/2005 Dá para confiar em brasileiro?
28/07/2005 Mais uma prova de desinformação
27/07/2005 O motoboy de Deus
24/07/2005 Luzes da cidade
22/07/2005 Serra é candidato a presidente?
21/07/2005 O prazer de derrubar grades
20/06/2005 A ópera de Batucada
19/06/2005 Somos ignorantes em Brasil
18/07/2005 Daslu, Lula e a guerra dos mundos
16/07/2005 Veja índices da evolução educacional no Brasil