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Um simples detalhe na herança
de um milionário despertou uma incontida cobiça
- o sumiço de uma caneta raríssima. Ao saírem
à procura da preciosidade, guiados por pistas que os
levavam a confrarias de antiquários freqüentadas
por seres apaixonados por canetas, colecionadores acabaram
involuntariamente revelando mistérios da morte do milionário.
Esse roteiro de um livro de ficção,
cujos originais estão adormecidos numa gaveta, nasceu
na praça Benedito Calixto, em Pinheiros, onde todos
os sábados há uma feira de antigüidades.
A praça é local privilegiado para conhecer a
alma do colecionador -ainda mais porque uma vendedora de canetas
dali também é psicóloga, treinada para
entender as sutilezas da mente.
A psicóloga Zulmira Cabral
já tinha 40 anos de idade quando, em 1987, mudou radicalmente
de atividade profissional. Deixou a clínica e seus
pacientes para vender relógios e canetas antigos na
Benedito Calixto. "Gostava de canetas e as colecionava
em meu consultório."
Aos poucos, porém, ela percebeu
a confluência entre as peças que vendia e a psicologia:
"Conheci particularidades da alma humana". Viu como
os colecionadores se sentem autores de uma obra que imaginam
imortal, mas só encontram ressonância entre seus
pares -fora desse âmbito, são solitários,
incompreendidos. "O colecionador não tem herdeiro",
diz.
A coleção se desfaz
com a morte de seu dono. As famílias não costumam
acompanhar a paixão; muitas vezes, são até
mesmo ressentidas com os milhares de peças espalhadas
numa parte da casa. Em geral, as peças consumiram a
atenção do colecionador e mesmo o seu dinheiro.
Um dos clientes de Zulmira, por exemplo, desfez seu casamento.
Sua ex-mulher quer metade do caríssimo estoque de 1.352
canetas, algumas das quais muito raras. Quer o valor, obviamente,
em espécie -até porque detesta canetas. O caso
está na Justiça para que seja discutido o direito
que alguém teria de reivindicar uma coleção,
propriedade cujo valor também é simbólico.
Diante dessas histórias de
paixão por objetos que resistem ao tempo, Zulmira resolveu
escrever um romance sobre a psicologia do colecionador, com
personagens fictícios. "Não sei nem se
vou publicar", diz ela, desconfiada de suas habilidades
de escritora. Não existe pressa. Aprendeu, com seus
relógios e canetas, a tirar proveito do tempo -e de
seus mistérios.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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