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REFLEXÃO


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URBANIDADE
13/10/2004
Jovens mestres

A dificuldade de comunicação de Roberto já começava no sobrenome, povoado de consoantes: Wahrhaftig (verdade, em alemão). Menino calado, arredio, conseguiu, aos 8 anos de idade, ficar quase seis meses cabulando todas as aulas, sem que fosse incomodado pelos pais e professores. "Entrei num vácuo", lembra Roberto. Os pais imaginavam que o filho ia para a escola; e a escola, que os pais o tinham matriculado em outro lugar.

Recém-chegado de Curitiba, Roberto aproveitava as manhãs para conhecer São Paulo, andando, sozinho, pelas ruas e praças e, em dias de mais ousadia, pegava um trem para as cidades vizinhas. "Não via sentido na escola." Foi salvo por um violão. A mãe, angustiada com a displicência escolar do filho e desinteresse em fazer amizades, estimulou-o a estudar música - e acertou. Talvez o melhor resultado daquele empurrão ela só possa ver agora.

Passados 40 anos daqueles passeios clandestinos do gazeteiro pelas ainda razoavelmente pacatas ruas paulistanas, o violão começou a dar a ele na semana passada um novo sentido: formar jovens mestres. "Estou tirando do papel um velho projeto."

Ao descobrir na infância o prazer pela música, Roberto foi enviado pelos pais a Israel para estudar violão clássico. Ficou por lá dez anos e, quando voltou, teve de dar aulas particulares para sobreviver. A maioria de seus alunos vem de escolas de elite, como Santa Cruz, Palmares, Vera Cruz e Nossa Senhora das Graças (Gracinha). "Muitos deles não tinham projeto de vida e precisavam de novos estímulos."

Como os alunos são de uma classe média que vive confortavelmente, sem maiores preocupações materiais, Roberto decidiu-se a fazer uma experiência, convidando-os a serem professores particulares. "Achava que isso daria a eles uma vivência com a realidade e um senso de responsabilidade."

Na semana passada, ele iniciou a experiência. Cada um de seus alunos se tornou professor de um estudante de escola pública, usando espaços públicos para dar aulas -praças, por exemplo. Um patrocinador garantirá a remuneração, mesmo que simbólica, da aula. "Esse pagamento dá o sentido de profissionalismo ao programa."

A idéia é que o estudante beneficiado com as aulas gratuitas também vire, mais tarde, um jovem mestre. O menino arredio, calado, descobriu, nessa corrente de aprendizado, o prazer do contato humano pela música.



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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