Entrou
para a história como a primeira sexta-feira em que
não houve registro de nenhum assassinato em São
Paulo
Sete de dezembro de 2007 é um dia inesquecível:
entrou para a história como a primeira sexta-feira
em que não houve registro de nenhum assassinato na
cidade de São Paulo, onde, desde 1999, a taxa de homicídios
já caiu 72% -é o recorde absoluto de redução
de violência no país.
O valor dessa conquista pode ser avaliado pela pesquisa do
Ibope, divulgada na quarta-feira passada, em que mais uma
vez a segurança aparece como a maior preocupação
dos brasileiros. Daí que São Paulo se candidata
à condição de laboratório urbano,
de onde podem sair soluções para o resto do
país, especialmente nas regiões metropolitanas.
É o principal fato a ser destacado no balanço
deste ano para São Paulo.
Mais recordes foram visíveis, neste ano, na cidade.
Ferrari, Jaguar, Porsche e BMW vão bater o recorde
de vendas; o modelo mais barato de uma Ferrari custa R$ 1,25
milhão.
Anuncia-se a venda na cidade de um apartamento
de cobertura, ainda em construção, no valor
de R$ 18 milhões; serão 1.700 m2, com direito
a 17 vagas na garagem. A artista plástica Beatriz Milhazes
inaugurou, no início deste mês, exposição
com sete obras, que foram adquiridas rapidamente a preços
entre R$ 100 mil e R$ 400 mil.
Marcas como Louis Vuitton, Giorgio Armani e Montblanc, entre
muitas outras, expandem seus negócios em São
Paulo e levam um número crescente de estudantes a buscar
uma vaga no MBA
de gestão de luxo, da FAAP. O responsável
pelo curso, Silvio Passarelli, conta que, entre os matriculados,
existe até um dentista interessado em criar estratégias
para chegar aos mais ricos.
Os recordes da Ferrari e do número de assassinatos
podem parecer contraditórios, afinal a violência
está associada à desigualdade. Neste ano, porém,
ambos fizeram parte da ebulição paulistana.
O desempenho das grifes explica-se pelo surgimento de novos
milionários e até bilionários, devido
ao crescimento econômico aliado a monumentais negócios
da Bolsa de Valores. Por causa do aquecimento da construção
civil, faltam engenheiros e, ao mesmo tempo, mestres-de-obra
estão conseguindo salários acima de R$ 5.000.
Não há dúvida de que a cidade solidifica
sua vocação para os serviços e, por causa
disso, expande-se o número de profissionais mais escolarizados
-assim como não há dúvida de que a redução
do crime paulistano é um dos mais notáveis avanços
sociais brasileiros. Tudo isso, entretanto, ainda é
pouco para construir uma comunidade civilizada.
Até que ponto e em qual velocidade toda a cidade consegue
diminuir a selvageria e a desigualdade são as questões
que vêm animando os debates sobre uma das mais inusitadas
experiências políticas brasileiras, a ser testada
no próximo ano durante a sucessão municipal.
Justamente aqui está a montagem do laboratório
urbano.
Uma parte expressiva da elite paulistana participa de um
movimento batizado de Nossa São Paulo, que, neste momento,
está criando uma lista de indicadores a serem perseguidos.
Desse movimento, surgiu a iniciativa, inédita no país,
que tramita na Câmara dos Vereadores, com boas chances
de aprovação: um projeto determinando a obrigatoriedade
de o prefeito eleito apresentar em 90 dias um programa detalhado
de metas para todas as regiões da cidade. A cada três
meses, ele deve submeter-se a uma audiência para dar
explicações sobre a execução dessas
metas, sob risco de ser enquadrado por improbidade.
Para atingir as metas, será necessário fiscalizar
não só o prefeito mas também o governador,
cuja ação é decisiva na cidade; metade
das escolas do ensino fundamental, por exemplo, são
estaduais. Também será fiscalizada a ação
do poder federal, a partir das prioridades locais. A idéia
é cobrar não em cima de palavras, mas de números,
disseminados pelos meios de comunicação.
O saldo de 2007 é o seguinte: a ebulição
da cidade tem uma chance razoável de fazê-la
converter-se num modelo de gestão política que
ajude a produzir uma comunidade em que ninguém se espante
com um dia sem assassinato.
PS- Os leitores desta coluna sabem como critiquei duramente
José Serra, que, desrespeitando sua promessa, fez de
seu mandato um trampolim. Continuo achando que a principal
condição para ser prefeito de São Paulo
é querer ser prefeito de São Paulo. É
o mínimo para estar à altura da ebulição
local. Devo reconhecer, entretanto, que o entrosamento, inédito
na cidade, entre o governo estadual a prefeitura faz diferença
na administração local -esse ganho deveria ser
assegurado de forma institucional independentemente de quem
estivesse no poder. Sem essa parceria, por exemplo, o apagão
do trânsito será inevitável.
Mercado de luxo em São Paulo
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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