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REFLEXÃO


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folha de s.Paulo
25/09/2006
Honestidade virou sinônimo de tolice?

A crônica de mazelas seguidas pela impunidade é um poderoso estímulo para o culto à malandragem

Cerca de 30% dos jovens fluminenses, entre 14 e 18 anos, estão convencidos de que os honestos são tolos e, mais cedo ou tarde, sairão prejudicadas por causa de sua honestidade. É uma questão de sobrevivência, portanto, aprender a malandragem.

É uma tendência detectada pelo Ibope e se espalha, quase de forma homogênea, entre ricos e pobres. E, levando-se em conta o que se já viu em demais pesquisas sobres jovens, reflete um cinismo da juventude em todo o país. A crônica de mazelas acompanhadas da impunidade é um poderoso estímulo para o culto à malandragem, afinal é promovida por quem deveria dar o exemplo: os adultos e, mais do que isso, os adultos que estão no comando.

Um dos efeitos graves, e pouco comentados, da sucessão de denúncias, como o escândalo do dossiê contra o PSDB, é o bombardeio a uma das poucas pontes para que os jovens acreditem e se envolvam na vida pública: as organizações não-governamentais.

Havia um tempo em que se dizer participante do chamado terceiro setor, o misto de ação privada com vocação pública, era motivo de orgulho. Mas, nos últimos tempos, a cada denúncia, esse tipo de atuação está entrando na galeria das atividades suspeitas da política.

Nas investigações sobre o caso do dossiê contra o PSDB, detectou-se que um dos principais participantes da trama -Jorge Lorenzetti- comandava uma ONG, com polpudas somas enviadas pelo governo. Verdade ou não, a primeira suspeita é que a entidade teria servido a propósitos escusos.

São vários os casos em que aparecem, nos mais variados governos, entidades não-governamentais associadas a projetos irregulares para evitar concorrências públicas ou driblar os rigores da contratação de pessoal. O PT conseguiu agravar ainda mais essa exposição.

Não significa que o terceiro setor não tivesse problemas. Fala-se das "pilantropias", das instituições de fachada para propósitos políticos, das vaidades autorais, da solidariedade transformada apenas em marketing empresarial, da falta de fiscalização e de mecanismos de avaliação de resultado.

Quanto mais o terceiro setor se expandia, na década de 1990, mais essas falhas eram comentadas, mas, diga-se, sempre acompanhadas de uma reflexão sobre como saná-las.

As falhas eram compensadas por uma série de notáveis conquistas nas áreas da educação, da saúde, da preservação do ambiente e dos direitos. Não existe um grande avanço social no país sem o envolvimento, em algum nível, do terceiro setor -isso vai das garantias aos deficientes físicos, mulheres, idosos, negros até à redução do trabalho infantil, o aumento da matrícula escolar e a universalização da vacinação.

O apelo das ONGs entre os jovens está em sua agilidade e eficiência típicas da iniciativa privada, mas com compromisso público. É ser governo sem estar no governo. É estar na iniciativa privada sem ser necessariamente uma empresa. Não há intermediários: é possível ver resultado na ação quando caem os índices de mortalidade infantil, restaura-se um monumento ou preserva-se uma área verde. Por isso, muito do idealismo da política tradicional, tão desgastada, rumou para as ONGs.

A relevância do terceiro setor reside, em boa parte, em sua capacidade de trabalhar com o poder público, transferindo-lhe seu conhecimento. Só assim as experiências, localizadas, ganham vôo. Uma das mais importantes tarefas das ONGs -talvez a mais- é ser um laboratório de tecnologia social, cujas descobertas se tornem políticas públicas. É assim, por exemplo, que a experimentação de Zilda Arns, em pequenas comunidades, espalhou-se por todo o país e ajudou a reduzir a mortalidade infantil. Ou que Viviane Senna pôde aplicar, nacionalmente, métodos para promover alunos repetentes, com baixo custo. O padre Jayme Crowne fez da região mais violenta do planeta, o Jardim Ângela, em São Paulo, um manual de segurança pública. Projetos-piloto ajudaram a ensinar os governos a reduzir a gravidez precoce e o consumo de drogas, tirar jovens e crianças do crime, diminuir a incidência de mortalidade infantil, melhorar o ensino.

Se os responsáveis por esses programas não se sentirem confortáveis em dialogar com o governo, temendo escândalos, o país perderá a chance de usufruir essa parceria da comunidade com o setor público. De quebra, dinamita-se essa ponte para a participação dos jovens -ou seja, nossa futura elite dirigente.

P.S. - Continuo acreditando, e muito, que a atividade pública só é eficaz se levar em conta, do planejamento à ação, o envolvimento comunitário. Um dos maiores avanços conceituais é a idéia de que público não é apenas o oficial.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

Perfil das instituições sem fins lucrativos no Brasil

   
 
 
 

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