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O
contribuinte está deixando de ser analfabeto
Um dos
fatos mais notáveis da gestão Lula até
o momento foi, por conta da reforma da Previdência,
ter produzido um curso intensivo de "alfabetização
do contribuinte" - um aprendizado aprofundado na semana
passada, quando os juízes e promotores anunciaram a
polêmica decisão de fazer greve.
"Analfabeto
contribuinte" é aquele que, mesmo trabalhando
quase quatro meses apenas para pagar as contas do governo,
não conhece o abecedário dos gastos públicos.
Não sabe, por exemplo, que, anualmente, tapa um buraco
de R$ 60 bilhões das aposentadorias oficiais, o que
equivale a quase 50 vezes a verba do programa Fome Zero.
Até
pouquíssimo tempo - mais precisamente até a
chegada do PT ao Palácio do Planalto -, as informações
sobre os salários e aposentadorias dos servidores eram
restritas a técnicos, a políticos, a empresários
e a uma classe média mais educada. O assunto estava
praticamente trancado nos gabinetes, longe das ruas. Até
agora, a redução do "analfabetismo do contribuinte"
é a melhor notícia em torno do tema da reforma
da Previdência.
Virou conversa de botequim o salário de um juiz, de
um procurador, de um servidor do Legislativo ou do Judiciário.
Comenta-se em todos os lugares, nas mais diferentes classes
sociais, a diferença entre os aposentados do INSS e
os do funcionalismo público.
Apostando
no "analfabetismo do contribuinte", alguns políticos
e sindicalistas tentam mostrar que a reforma da Previdência
é um atentado contra os direitos do trabalhador. A
opinião pública sente-se, certa ou erradamente,
tão solidária ao juiz que ganha R$ 15 mil e
se aposenta com salário integral quanto à socialite
que esbanja riqueza em poses para a revista "Caras".
Por isso
não foi das melhores a reação da opinião
pública à greve: seja porque não se percebe
a complexidade do cargo de um magistrado ou de um procurador,
seja porque a imagem da Justiça é ruim por ser
lenta e supostamente mais favorável aos ricos, seja
porque a imensa maioria dos brasileiros não ganha nem
2% do salário de um juiz federal.
A novidade, na gestão Lula, foi o desmonte da visão
simplista em que, de um lado, estão os exploradores
e, de outro, os trabalhadores. O cidadão comum começou
a questionar se é justo ou não ele patrocinar
determinadas despesas, descobrindo o caminho do dinheiro que
lhe é extraído do bolso - vilão passa
a ser tudo aquilo que o deixa mais pobre.
Será
completo o aprendizado - e, embora tímido, já
está em andamento- quando se perceber como o gigantismo
das máquinas governamentais afeta o trabalhador. É
uma relação complexa, mas a questão central
nessa pedagogia é simples: pelo menos uma parte do
desemprego se deve à desconfiança de que, mais
cedo ou mais tarde, o governo não vá ter como
saldar suas despesas. Investimentos são contidos ou
postergados, juros demoram mais a cair devido ao medo de que
o país quebre.
Em mais uma semana em que, como afirma a secretária
de Redação da Folha, Paula Cesarino Costa, a
realidade venceu a esperança, um levantamento mostrou
que 54% dos paulistas não pretendem fazer novas compras
nos próximos dois meses. Se alguém não
compra, alguém, obviamente, não vende - e, se
alguém não vende, alguém vai ser demitido,
possivelmente aquele que deixou de comprar.
Divulgou-se,
na quarta-feira, que, nas seis regiões metropolitanas,
se produziram mais 443 mil desempregados durante o mandato
de Lula. Desses desempregados, 270 mil possuem o diploma do
segundo grau. Em 18 anos, não se tinha registro de
tantos desempregados na região metropolitana de São
Paulo.
A queda
anunciada dos juros, na quarta, ainda não assegura
a volta do crescimento. Para piorar, a tensão social,
agravada pela ameaça de greve de juízes e pela
baderna no Congresso, fez um cadáver - um jornalista
morto num acampamento de sem-teto em São Bernardo do
Campo. No desafio à lei, juntaram-se aos sem-terra
os sem-teto, que, na semana passada, ocuparam prédios
em São Paulo - reflexo de poucos investimentos sociais.
A realidade está vencendo tão impiedosamente
a esperança porque o crescimento depende, entre outras
coisas, de investimento - e investimento depende de confiança
no futuro. Isso significa, em poucas palavras, que um país
não consegue crescer, de fato, quando paira o risco
de colapso de suas contas devido à perspectiva de escassez
para seguir bancando desperdícios dos governos.
A diminuição do "analfabetismo do contribuinte"
talvez não impeça, mas, no mínimo, dificulta
eventuais tentativas de tapar os buracos com mais impostos.
PS - Importantes assessores do presidente disseram que houve
um exagero na crítica ao fato de Lula colocar o boné
do MST. Quando a maior autoridade do país veste o boné
de um movimento que promove invasões, acabam-se, involuntariamente,
estimulando transgressões como as dos sem-teto.
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