Portadores
de deficiência abrem caminho próprio no mercado
Excluídos
do mercado de trabalho, deficientes lucram fazendo produtos artesanais
em casa ou na escola.
(Folha
de S.Paulo)
Terapia
ocupacional vira pequeno negócio
Deficientes,
eles não querem benevolência nem caridade. Têm
talento e tiram dele o sustento diário. Excluídos
do mercado de trabalho, descobriram na determinação
um perfil empreendedor e tornaram-se microempresários.
São minoria,
é verdade. Mas já há gente de olho no trabalho
deles. A ONG (organização não-governamental)
Amankay vai incluir produtos feitos por deficientes num catálogo
de sugestões de brindes empresariais (leia texto).
Entre elas,
estão os bonecos e os fantoches de pano confeccionados pelos
alunos da Escola Projeto, vendidos em lojas de brinquedos educativos.
Portadores de deficiências mentais, eles montam de 500 a 3.000
produtos por mês.
"É
uma terapia ocupacional, e eles precisam se sentir produtivos",
explica a pedagoga Raphaela Viggiani Coutinho, 62, que dirige os
25 estudantes de 24 a 30 anos. A escola funciona como uma linha
de produção. "Tentamos extrair o melhor deles",
diz.
A publicitária
Denise Kracochansky envolveu os alunos da Escola Projeto na sua
história, "A Cama Mágica", sobre uma menina
que não gosta de dormir: são eles que fazem a montagem
do kit -inclui uma boneca, peças de madeira, tinta e pincel.
"Estava
com dificuldades com o fornecedor de bonecas. Por acaso, vi brinquedos
feitos pela escola na Tok & Stok [loja de produtos para a casa".
Liguei e disse que tinha urgência: em três dias, entregaram
cem. Viramos parceiros."
"Administrar
negócios não é minha vocação",
afirma a diretora da Projeto. Para ter preços competitivos,
ela perde horas ao telefone cotando matéria-prima. "Sonho
com doações de algodão, lã, linha, malha,
plástico e tinta."
No Lar Escola
São Francisco (Lesf), 243 deficientes fazem terapia ocupacional
nos cursos de encadernação, mosaico, reciclagem de
papel, secagem de flores e velas. A produção vai para
a loja da entidade, e os aprendizes ficam com o lucro: embolsam
até R$ 480 por mês trabalhando em casa.
"Eles se
sentem produtivos. Muitas vezes, a avaliação médica
não permitiria um encaminhamento ao mercado de trabalho comum",
diz Suzana Marina Cesar Leal, coordenadora do curso de capacitação
profissional e do serviço de recolocação do
Lesf.
Hoje portador
de tetraparesia (evolução da paraplegia, que é
a paralisia de membros inferiores e porção inferior
do tronco), resultado de um acidente de carro, em 97, Maurício
de Sá, 47, engenheiro de formação, tornou-se,
após 11 meses sem movimento algum no corpo, um artista do
barro.
A descoberta
do dom foi na terapia, logo transformada num negócio "ainda
não muito lucrativo". Em seu ateliê, em Vitória
(ES), ele produz cerâmicas decorativas e dá aulas para
doentes mentais. "Retiro todo o meu sustento (fatura R$ 2.500
por mês) dessa nova atividade", afirma.
Suas peças
já viraram mostras e estão nas boas lojas de decoração
da cidade, mas ele repulsa a idéia do marketing "produto
feito por um deficiente". "Sou totalmente contra! Quero
ser uma referência do tipo que a pessoa olha e diz: "Poxa,
o cara conseguiu. Se eu batalhar, também consigo"."
Mais limitado
(tem paralisia cerebral de nascença), Rodrigo Brandão
Monteiro, 22, depende da mãe, Etiana, 48, artista plástica,
para pintar com a boca vasos em cerâmica. "Desde pequeno,
minha mãe me ensinou a mexer com as tintas. Já que
não posso pintar as paredes, pinto os vasinhos."
"Se não
fosse a atividade, ele não teria desenvolvido tanto a capacidade
muscular e não teria tanta vontade de viver", atesta
a mãe. "Eu me sinto mais útil", resume o
filho, que chega a pintar 50 peças/ mês, todas com
motivos florais, vendidas a até R$ 12 cada uma nas floriculturas
de Atibaia (SP).
Mauro Watanabe,
43, começou a perder a audição aos sete anos.
Mas aprendeu com a família, oriental, a arte do origami (ori,
dobrar; gami, papel), que logo virou um pequeno negócio.
"Sempre acreditei na minha capacidade de desenvolver algo eficiente,
esquecendo a minha deficiência."
Funcionário
público desde 94, começou ensinando no grêmio
da CDHU (companhia estatal). "Criei um método de ensino
eficiente. Nas aulas, falo pouco, enfatizando a visualização."
Atualmente, dá cursos e faz, sob encomenda, cartões
e móbiles em origami. Lucra R$ 400 por mês.
"Passo
emoções nas peças. De uma cesta sai um bombom;
de uma flor, uma mensagem", exemplifica. Seu objetivo agora
é ensinar a arte para professores públicos. "Já
mandei um projeto." Abandonar o emprego? "Por enquanto,
não. Negócio próprio tem altos e baixos. É
arriscado."
Ateliê
de Sá: 0/xx/27/3314-0363; Denise Kracochansky: 0/xx/11/3063-4835;
Escola Projeto: 0/xx/11/5543-7954; Lar Escola São Francisco:
0/xx/11/5549-3322; Mauro Watanabe: 0/xx/11/241-4087, com Agnes,
ou morigami@bol.com.br;
Rodrigo Brandão Monteiro: 0/xx/11/4412-1361 ou http://sites.uol.com.br/digao2000/.
ONG prepara
um catálogo com 50 idéias de brinde
A ONG Amankay
está finalizando um catálogo de produtos feitos por
associações e comunidades do país, que será
distribuído a empresários como sugestão de
brinde. Foram pesquisadas 800 e selecionadas 50, segundo a diretora
Lia Zatz. Para integrá-lo, foi preciso preencher três
critérios: relevância do trabalho social, qualidade
do produto e capacidade de produção. Para ir para
a gráfica, falta um patrocínio.
Amankay: 0/xx/11/3814-6326.
Apenas 20%
têm qualificação profissional
De cada 5 portadores
de deficiência, 4 não estão qualificados para
enfrentar o mercado de trabalho, afirma o antropólogo da
USP (Universidade de São Paulo) João Baptista Cintra
Ribas, 46, especialista no assunto pela Universidade de Salamanca
(Espanha).
Paraplégico
desde que nasceu, Ribas usa esses números para justificar
o não-cumprimento do decreto 3.298 (dezembro de 99), que
obriga empresas que têm cem ou mais empregados a preencher
de 2% a 5% do quadro com deficientes habilitados ou reabilitados.
"Para o
deficiente, trabalhar em casa ou para uma associação
é uma alternativa interessante: ele exerce sua atividade
laboral, sem ser subjugado, e conquista a independência",
diz. Mas, na opinião dele, "é preciso um empurrão,
principalmente da família".
Foi o que aconteceu
com a tradutora Marisa Paro, 45, portadora de atrofia muscular progressiva
(espécie de paralisia) desde os 15 meses de idade. Com mais
de cem obras no currículo, ela garante que os pais sempre
a "incentivaram a superar tudo".
Depois de trabalhar
para duas editoras e de fazer um curso de especialização
nos Estados Unidos, abriu, em 93, a Força de Expressão
Traduções, que fatura R$ 3.000 por mês. "Faço
parte de uma elite, mas gostaria de ter maior autonomia financeira",
diz.
"É
preciso escalonar os objetivos", ensina Edson Luiz Lucas de
Queiróz, 33, que ficou tetraplégico após um
mergulho, em 93, e está à frente da ONG Instituto
Integrar, que busca conscientizar deficientes quanto à importância
de se qualificarem para o trabalho.
Pós-graduado
em gestão empresarial, Queiróz atua, na outra ponta,
como consultor, "adequando empresas, física e culturalmente,
para receberem esse tipo de mão-de-obra". Para argumentar
com os empresários, usa dados da pesquisa Percepção
do Consumidor Ethos-Valor, com 1.134 consumidores no país.
"Qual atitude
o estimularia a comprar mais produtos de uma empresa?", foram
indagados. Responderam, espontaneamente: contratação
de deficientes; colaboração com escolas, postos de
saúde e entidades sociais; manutenção de programas
de alfabetização e adoção de práticas
efetivas de combate à poluição.
Consultoria
João Baptista Cintra Ribas: 0/xx/11/5584-0441; Força
de Expressão Traduções: 0/xx/11/3826-8004;
Instituto Integrar: 0/xx/34/3238-1514.
(Folha de S.Paulo)
|
|
|
Subir
|
|
|