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Democratização
versus exclusão é dilema de governo eletrônico
A exclusão digital
é o principal entrave ao exercício da cidadania através da Internet.
Esta foi uma das discussões centrais do seminário "Estado Democrático
e Governança no Século 21", realizado ontem durante o 2º Fórum Global,
que termina hoje em Brasília, reunindo especialistas de 31 países.
Para o palestrante americano Michael Nelson, o acesso cada vez maior
a informações oficiais e a interatividade entre governo e cidadãos
são o embrião de um modelo de "governo eletrônico". Nelson prevê
uma queda brutal dos custos de acesso à Internet.
Segundo o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, as novas
tecnologias, ao favorecerem a maior difusão de informações sobre
o setor público, deverão se tornar um importante meio para coibir
a corrupção.
(Folha de S.Paulo)
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Especialista
prevê "governo eletrônico"
O especialista
norte-americano em Internet Michael Nelson acredita que o acesso
cada vez maior a informações oficiais e a interatividade (pagar
IR pela Internet, por exemplo) são o embrião de um modelo de "governo
eletrônico".
Nelson foi o primeiro coordenador, na Casa Branca, de um programa
que permitiu usar a Internet para acelerar a troca de informações
entre o governo norte-americano e os contribuintes. Ele é hoje diretor
de estratégia de Internet na IBM. Participou ontem, em Brasília,
do seminário "Estado Democrático e Governança no Século 21", que
reúne até hoje 31 países durante o 2º Fórum Global. A seguir, os
principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - O sr. e sua empresa insistem na democratização da Internet
e em seu poder de informar o cidadão sobre ações do governo. Mas
e os que ficarão excluídos desse circuito?
Michael Nelson - Trata-se de uma falácia. Claro que o ideal seria
que todas as pessoas estivessem conectadas. Meu argumento se baseia
na previsão de uma queda brutal dos custos de acesso à Internet.
O custo da informação também cairá.
Mesmo assim, eu não disse que esse acesso se tornará universalizado
ou que essa seja a condição para o funcionamento do governo eletrônico
(e-government). Ele pode funcionar para apenas uma parcela da população.
A diminuição dos gastos que isso representará poderá financiar mais
informações para os não-conectados.
Folha - Mas não se criaria, com isso, cidadãos de primeira classe,
porque conectados, e outros de segunda classe?
Nelson - Novamente não é o raciocínio correto. As pessoas mais pobres
em comunidades desmunidas, mesmo sem um computador em casa, poderão
estar ao alcance de organizações não-governamentais, como associações
que defenderão seus interesses e deverão informá-las.
Há ainda terminais que tendem a se generalizar em quiosques, escolas,
bibliotecas. Com esse sistema, qualquer computador, comunitário
ou pessoal, será uma repartição pública. Não acredito que devamos
nos conformar em não providenciar acesso para o maior número possível
de pessoas só porque não poderemos providenciar esse acesso a todos.
Folha - Mesmo com o mercado competitivo, há o problema da pobreza.
No Brasil, a concorrência no mercado de telefonia não permitiu telefones
para a maioria. O mesmo não pode acontecer com a Internet?
Nelson - A analogia entre os dois mercados é imperfeita. Não é preciso
ter uma linha fixa ou um telefone celular para acessar a Internet
e se beneficiar do governo eletrônico. Os terminais públicos estarão
aí para isso. Há algum tempo nem todos tinham televisão. Mas assistiam-se
programas em aparelhos comunitários ou nas casas de amigos.
Folha - Falemos do governo eletrônico. Além de receber informações
pela Internet sobre os serviços públicos, para que mais ele serviria?
Nelson - Em 1993 a Casa Branca abriu seu site. A Internet servia
apenas para difundir informações sobre o governo federal. Muito
mudou depois disso. Alguns ministérios lançam pela Internet consultas
sobre assuntos de interesse específico. O problema está sendo agora
como tabular as dezenas de milhares de respostas recebidas. As ONGs,
por sua vez, têm se organizado para fazer lobby eletrônico sobre
a administração pública.
Folha - O governo eletrônico não causaria curto-circuito nas instituições
de intermediação dos interesses da cidadania, como partidos ou sindicatos?
Nelson - Os partidos se enfraqueceram nos Estados Unidos por causa
da televisão, e não por causa da Internet. Os homens públicos usam
a TV para mobilizar o eleitorado ou prestar contas em seus respectivos
distritos.
Folha - Qual a diferença entre governo eletrônico e democracia eletrônica?
Nelson - Ao menos nos Estados Unidos, o primeiro diz respeito à
informação e à consulta. A segunda se relaciona muito mais ao processo
eleitoral.
Folha - Por que o sr. disse em sua conferência que o governo eletrônico
só existirá onde houver estrutura de e-business (negócios eletrônicos)
já implantada?
Nelson - Porque a informação administrativa ou política não é o
bastante forte para criar e manter redes. Quem o faz é o mercado.
O governo eletrônico aproveita a infra-estrutura existente.
Consultor teme "exclusão digital"
Uma expressão de alto teor semântico circula entre os internautas
mais politizados: "exclusão digital". Ela foi ontem usada em Brasília,
no 2º Fórum Global, por Maurizio Mauro, presidente da Booz Allen
& Hamilton-Brasil.
Ele citou o caso do Reino Unido, onde sua consultoria foi encarregada
de propor soluções que permitissem a universalização do acesso às
redes eletrônicas. Com a mais alta taxa de assinantes europeus da
Internet, 50% dos internautas ingleses são das classes A e B. Apenas
7% têm renda baixa.
Outro palestrante, o brasileiro Carlos Braga, que administra um
fundo do Banco Mundial que financia programas de uso da Internet
em países mais pobres, deu uma dimensão regional dessa mesma forma
de exclusão. A África, excetuada a África do Sul, entra com 0,02%
dos sites existentes. Ruanda e Bangladesh têm menos telefones ou
terminais de computador conectados que o Banco Mundial em seus escritórios.
É o outro lado da moeda exposta por Michael Nelson, da IBM, para
quem a explosão da Internet está apenas começando. Sua empresa calcula
que a rede esteja hoje com 3% do tamanho que atingirá dentro de
cinco anos. O inglês, idioma utilizado em 54% dos sites, contrasta
em sua hegemonia com o português (1%) ou mesmo o espanhol (3%).
"Por mais que se tivessem demorado 100 anos para chegar a 1 bilhão
de telefones fixos, em dez anos (1990-1999) o celular permitiu que
se atingissem 2 bilhões de linhas no mundo", disse Carlos Braga.
Apesar disso, 42% dos humanos com mais de 10 anos nunca fizeram
uma ligação.
No Brasil, perto de 30% das classes A e B estão conectadas. O país,
segundo Ivan Moura Campos, coordenador do Comitê Gestor da Internet,
é o 13º maior usuário da rede e deverá, até o fim de 2001, ocupar
a 8ª colocação. Mas a distribuição do acesso é tão desigual quanto
a da renda.
Tadao Takahashi, do Ministério da Ciência e Tecnologia, relatou
medidas sugeridas para que os não-proprietários de computador possam
utilizar terminais instalados em locais públicos.
Bird defende uso de tecnologia
O presidente do Bird (Banco Mundial), James Wolfensohn, declarou
que as novas tecnologias, ao favorecerem a maior difusão de informações
sobre o setor público, deverão se tornar meio importante para coibir
a corrupção.
Em declaração por vídeo, transmitida ontem a Brasília aos participantes
do 2º Fórum Global, elogiou o México, por ter colocado em rede todas
as informações sobre a execução orçamentária.
"O comportamento ético dos governantes não pode ser controlado apenas
por uns poucos", disse. Quanto maior a comunidade dos que participam
desse controle, menores serão as chances de ocorrer o que chamou
de "o aspecto corrosivo da corrupção nos países mais pobres".
O controle público já existe, mesmo sem alta tecnologia. Citou um
país latino-americano, que não identificou, no qual o preço de uma
merenda variava de um a quatro. Bastou a publicação para que cessasse
o superfaturamento.
Disse que a instituição que preside aprendeu, com o tempo, que são
inúteis empréstimos a países sem capacitação para traduzir esses
fundos em programas.
(João Batista Natali - Folha de S.Paulo)
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