"Botamos
luz no porão da Saúde Pública". Palavras
de médica. A afirmação de Vera Cordeiro,
fundadora da Associação Saúde Criança
Renascer (ASCR), ressalta a importância do trabalho da
entidade que auxilia no tratamento médico de várias
crianças mas sem deixar de lado os problemas enfrentados
por suas famílias.
Um grupo de pediatras, psicólogos, assistentes sociais,
terapeutas e outros profissionais avaliam a criança
internada que apresenta dificuldades financeiras. Parte da
equipe faz uma primeira triagem para se informar sobre a família:
número de filhos, quantos estudam, verificação
de vacinas e se existe carência alimentar, de roupas
e de dinheiro para transporte. Com a comprovação
da situação socioeconômica desfavorável,
a família é encaminhada para a organização.
Depois de uma entrevista com os assistentes sociais e psicólogos
da ASCR, a família é cadastrada e suas necessidades
são traçadas no Plano de Ação
Familiar, que engloba cinco áreas: saúde, moradia,
educação, renda familiar e cidadania. "É
como se fizéssemos um Raio-X completo das famílias,
identificando as principais necessidades, como renda familiar,
habilidades da mãe, número de filhos, entre
outros aspectos", afirma Vera.
Nos primeiros meses, a associação passa informações
básicas de saúde para as famílias por
meio de palestras temáticas, como aleitamento materno,
higiene, alimentação, violência sexual,
planejamento familiar, doenças sexualmente transmissíveis,
Aids e alcoolismo.
A entidade orienta os membros de cada família a tirarem
seus documentos para depois encaminhá-los a cursos
profissionalizantes. Há os cursos de cabeleireiro,
manicure, pedicure, depilação, maquiagem, penteado,
bordado, pintura em tecido, fuxico e bijuteria, dentre outros,
oferecidos para 1.619 núcleos familiares. A ASCR também
tem um Salão de Beleza Escola para que alunos na fase
final dos cursos possam, sempre com a orientação
de um professor, oferecer seus à comunidade.
Além de oferecer a capacitação, a Associação
já doou mais de mil instrumentos de trabalho, como
kits de manicure, máquinas de costura, ferramentas
de marcenaria e outros materiais para as famílias conseguirem
uma renda melhor. "Como dizia Betinho, você tem
que dar o peixe para depois a pessoa conseguir pescar. E,
assim, muitas mães aumentam sua auto-estima e se sentem
mais valorizadas e com estímulo para trabalhar e cuidar
melhor de sua criança", ressalta Vera.
A ASCR está atenta ainda à condição
de moradia das famílias. Se a casa é própria
e alguma característica dela, como umidade, por exemplo,
prejudica a recuperação da criança, a
construtora parceira da organização providencia
a reforma. "Tínhamos casos em que a criança
estava com pneumonia, mas não sarava nunca, porque
sua cama ficava embaixo de goteiras", disse Vera.
Há também doações de material
de construção, colchões, filtros de água,
ferramentas domésticas, cesta básica mensal,
remédios (de acordo com a necessidade da família
e, principalmente, da criança), equipamentos médicos,
roupas, brinquedos, material escolar, fraldas e preservativos.
De acordo com a médica, as famílias permanecem
sob atendimento de um a dois anos, mas para receberem "alta",
a família tem que estar estabilizada, com a documentação
em dia, com pelo menos um membro trabalhando e com renda familiar
de no mínimo R$ 250 para até cinco filhos. E,
evidentemente, a criança deve estar com um quadro clinicamente
estável. A Renascer já atendeu 2.018 famílias
e 7.063 crianças. Hoje, há 229 famílias
em atendimento e a organização conta ainda com
200 voluntários.
Graças à ajuda de parceiros e com o objetivo
de multiplicar este projeto, a entidade criou um Manual de
Replicação, onde se explica todo o procedimento
necessário para se criar novas instituições
seguindo o mesmo modelo da ASCR. Atualmente, existem 14 hospitais
e organizações desenvolvendo um trabalho similar
e com administração autônoma, ou seja,
independentes da ASCR. São 11 no Rio de Janeiro, uma
em São Paulo, no Recife (PE) e em Joinville (SC). Há
também algumas sendo construídas em cidades
como Campinas (SP), São José dos Campos (SP)
e outras.
"Acho que a saúde é um conceito global.
Como a OMS define, Saúde tem que ser um bem-estar biopsicossocial.
Ou seja, não é uma questão de achar a
causa biológica, mas ver o que está por trás
da doença, já que muitas crianças vivem
em situação de miséria. É necessário
ter uma visão multidisciplinar. Muitos médicos
dão a receita, mas as famílias nem tem dinheiro
para comprar o remédio", define Vera.
O trabalho da entidade apresentou vários resultados
positivos, destacando-se o aumento em 58% da renda familiar
e diminuição de doenças consideradas
de risco que passaram de 44% para 10% dentre os casos atendidos
pelo grupo dirigido por Vera. A maioria das crianças
apresenta infecção respiratória, desnutrição,
diarréia, anemia falciforme, doenças cardiovasculares,
leucemia, entre outros. "Acho que mesmo que tivesse tudo
certo no setor da saúde, o governo não teria
como ajudar em todos os setores, como a distribuição
de alimentos a todos e habitação adequada. Tem
muita gente que poderia ajudar de várias formas",
conclui Vera.
Casa, comida e os filhos tratados
Regina Célia Amond Faria freqüenta a ASCR desde
agosto de 2002. Chegou até eles quando sua filha fez
uma cirurgia e teve seqüelas como hipertensão,
infecção urinária e problemas respiratórios.
"Eles viram que eu não tinha condições
de trabalhar, porque tinha que acompanhá-la no hospital,
já que ela ficou mais de uma vez internada", afirmou
a mãe.
Moradora do bairro Barro Vermelho, na cidade de São
Gonçalo (RJ), Regina fez um curso de confeitaria e
através de uma ajuda financeira da Renascer conseguiu
obter um fogão, batedeira para produzir e vender doces
salgados.
"Eles me ajudaram muito, porque aumentaram minha auto-estima.
Antes não tinha perspectiva. É muito bom sentir
que estou produzindo e tendo meu próprio dinheiro.
Além dos cursos, remédios e cesta básica,
os médicos me ensinaram como cuidar da minha filha
e a entidade me doou um balão de oxigênio, que
diminui a freqüência nas idas ao hospital",
conta Regina.
Outra mãe, Lourdes Aparecida Campos de Carvalho,
de Duque de Caxias (RJ), recebeu todo o apoio da entidade
quando seu filho nasceu com insuficiência renal e hipertensão.
Além disso, pós 48 horas de seu nascimento,
o bebê precisou passar por uma cirurgia para a reconstrução
do canal retal e do ânus, já que nascera com
uma má formação.
Sem o apoio da família, há três anos
Lourdes conta com a organização que lhe fornece
remédios, e todo o respaldo descrito anteriormente.
"Tive um grande apoio psicológico. Além
disso, estava desempregada e não tinha onde morar.
A entidade paga meu aluguel, dá cesta básica,
pacotes de fraldas, remédios, vale-transporte para
os cursos", conta.
Lourdes concluiu um curso de cabeleireira e já está
fazendo unha e cabelos em algumas mulheres de sua comunidade.
"O apoio que não tive de parentes, recebi aqui
de pessoas que nem conhecia", confessa Lourdes.
Segundo Rosângela Maria Alves, coordenadora operacional
de pré-atendimento da ASCR, as famílias chegam
à entidade passando por muitas dificuldades. Da falta
de dinheiro para custear o transporte à impossibilidade
de comprar remédios ou mesmo comida. "Além
da carência de bens materiais, a gente dá apoio
psicológico, porque geralmente elas são abandonas
pela família e pelo parceiro, principalmente quando
o filho tem problema de saúde. Estas mães são
verdadeiras heroínas, porque saem de suas casas em
bairros distantes e vêm todo mês pegar remédios,
fraldas, cesta básica, dinheiro e encontrar um ombro
amigo", finaliza.
Serviço:
Associação Saúde Criança Renascer
www.saude-crianca.org.br
Secretaria de Vigilância em Saúde
www.saude.gov.br/svs
SUSANA SARMIENTO
do site setor3
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