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rio de janeiro
13/07/2004
Moradores de palafitas lutam por sobrevivência

O aposentado Severino Felix Custódio da Silva, de 62 anos, vive cercado de problemas. Basta chover que as preocupações aumentam. A água invade seu barraco, construído, como tantos outros, ao lado do conjunto habitacional Nelson Mandela, no complexo de Manguinhos (Zona Norte do Rio). Como ele, várias outras famílias que moram nas palafitas sobre a junção das águas dos rios Jacaré e Faria Timbó, entre a refinaria de Manguinhos e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pertinho da Avenida Brasil, convivem com a precariedade de suas casas, a pobreza e o risco iminente de doenças.

Os problemas por ali são muitos. A começar pela falta de estrutura das moradias, erguidas com tábuas de madeira, mais ou menos de acordo com as posses e o talento de construtor do proprietário. Sem rede de saneamento, os canos que saem das casas despejam o esgoto diretamente na água dos rios. O cheiro dos gases emanados da refinaria de Manguinhos está sempre presente e costuma provocar mal-estar nas crianças e nos que ainda não se acostumaram a ele.

“Quando tem temporal, a maré enche, e é preciso colocar os móveis uns por cima dos outros porque a água sobe mais de um metro. É comum isso acontecer”, queixa-se Severino. Há cerca de sete anos, sem dinheiro para continuar pagando aluguel, quando se aposentou, ele viu sua renda diminuir. A necessidade fez com que construísse sua casa sobre palafitas ali no Mandela e se mudasse. Foi um dos primeiros moradores daquela área e vive sozinho num cômodo de aproximadamente 9m2. Hoje, tudo o que ele quer é voltar para sua terra, no Rio Grande do Norte. Enquanto essa possibilidade de mudança não chega, ele vai ficando.

"Não saio daqui porque já me acostumei. Vim de Belford Roxo para cá porque meu filho morreu e não consegui receber a pensão dele", explica Dilsa Souza Santos, separada, de 68 anos, que também vive sozinha num barraco sobre as palafitas. Sua única renda são os R$ 50 que a filha que é empregada doméstica lhe manda todo mês e o dinheiro das latinhas que cata e que lhe rende de R$ 5 a R$ 10 por semana. "Com o que ganho compro uma carne, um pãozinho e outras coisinhas para dentro de casa", afirma.

Para ela, o que mais incomoda não são as enchentes. “Aqui quando chove muito, enche tudo. Mas invasão de rato é toda hora, com chuva ou não. A gente até já se acostumou com rato dormindo com a gente”, diz. Assim como Severino, também foi a própria Dilsa que, há quatro anos, ergueu, tábua por tábua, a casa onde mora. “Ia catando pedaços de madeira e construindo cada pedacinho do barraco. Os vizinhos me ajudaram. Foi a mesma coisa com a minha vizinha, que morou um tempo comigo até conseguir fazer o barraquinho dela aqui ao lado. Nós aqui somos muito unidos”, conta.

Faria Timbó
Na sala de Dilsa, de mais ou menos 3m x 3m, há pouquíssimos móveis, entre os quais um velho aparelho de televisão. Em dias de chuva, o teto, também de madeira, tem diversas goteiras, que o plástico com que ela tentou cobrir não resolveu. A janela dá direto para o rio Faria Timbó e a refinaria. "Nunca cheguei a passar mal, porque me acostumei ao mau cheiro. Mas uma vizinha outro dia foi parar no postinho, com problemas respiratórios", diz, referindo-se ao posto de saúde na Fiocruz, que atende aos moradores da comunidade.

Dificuldades que Ednildo Cândido da Silva, de 32 anos, conhece bem. Presidente da Associação de Moradores e Amigos do Conjunto Habitacional Nelson Mandela (AMAHNEM) há cerca de dois anos, depois de ocupar a vice-presidência desde 1998, Ednildo vem tentando encontrar saída para a questão do saneamento local, que considera uma das prioridades.

“Enviei vários pedidos à prefeitura para a ampliação da rede de esgotos, mas nada foi feito”, reclama. A explicação é que, com a inauguração das 800 casas populares do conjunto habitacional Nelson Mandela, para abrigar famílias removidas de outras comunidades do Complexo de Manguinhos, como Arará, Varginha, Jacaré, Manguinhos e João Goullart, há 14 anos, a área foi urbanizada. Mas alguns anos mais tarde, começaram a surgir novas moradias que foram se estendendo até a beira do rio.

“Muitas dessas novas casas, construídas ainda sobre a área aterrada, cobriram as saídas dos bueiros. Com isso, toda a rede de esgoto ficou prejudicada”, fala Ednildo. Motivo para que ele agora lute para evitar novas construções sobre as saídas de esgoto. Mas as freqüentes enchentes que invadem as casas têm ainda outro motivo.

Ligações clandestinas
“Como não há infra-estrutura, para ter água encanada, os moradores das palafitas foram fazendo ligações clandestinas na tubulação que serve ao conjunto Nelson Mandela. E a rede de esgoto, que foi construída para atender os 2.500 moradores do conjunto, hoje precisa atender uma população de cerca de sete mil pessoas. Ou seja, não há esgoto que resista a tamanho aumento da população", diz o líder comunitário.

Ele chega a esse número, que engloba tanto o pessoal das casas quanto o das palafitas, pelo cadastramento dos moradores na associação. “Não há como precisar quantas pessoas moram nas palafitas. Todo dia estão construindo novas casas. Já tentamos fazer um levantamento, mas não temos estrutura para isso”, afirma Ednildo. O fato é que o crescimento desordenado da comunidade – que nos últimos sete anos foi tomando a beira dos rios – terminou agravando as condições de vida locais.

"O conjunto habitacional Nelson Mandela foi entregue há relativamente pouco tempo e, por isso, na prefeitura toda essa área consta como tendo saneamento básico, tudo organizado. Isso nos deixou fora do projeto Favela-Bairro, que, nos governos Cesar Maia e Luiz Paulo Conde (atual e ex-prefeito do Rio, respectivamente), chegaram à Nova Holanda, Vila do João e Baixa do Sapateiro. Esses projetos sociais do governo não vieram para a comunidade", lamenta Ednildo, que também morou numa palafita até mudar-se para uma das casas populares do Mandela.

Latas e Garrafas do lixo
Por tanto problema, Batista Quintino de Andrade, de 37 anos, não vê a hora de se mudar para a casa de alvenaria que está construindo numa área aterrada, próximo ao rio Faria Timbó. O terreno foi conseguido com a remoção das palafitas que ocupavam a beira do rio Jacaré e onde ele tinha erguido o chiqueiro, no qual mantinha os mais de 20 porcos que cria.

Para bancar a construção e sustentar mulher e filha, Batista, a quem todos conhecem como Morreu, trabalha como tratorista na Cooperativa dos Trabalhadores de Manguinhos, na Fundação Oswaldo Cruz. “A cooperativa emprega moradores locais”, explica. Para complementar o orçamento, Morreu não só cria porcos como cata latinhas, garrafas pet e o que mais encontrar de material reciclável com o pequeno trator com que percorre toda a região.

Criação de porcos
"Comecei a criar porco depois que vi um quase se afogando aqui no Canal do Cunha. Salvei o porco, que virou o primeiro de minha criação. Depois comprei outros para acasalar. Isto tem muito tempo. Hoje crio meus porcos com restos de comida de restaurante e pode ver que nem cheira mal. Mato aqui mesmo e vendo pro pessoal", conta.

Com a venda da carne na própria comunidade, ele tira, em média, mais um salário mínimo. Já o material que recolhe é trocado na Vila Olímpica da Mangueira por uma cesta básica. "O canal é bonzinho sempre traz garrafas pet pra mim”, diz. Num terreno próximo ao chiqueiro, ele guarda tudo o que recolhe para reciclagem. Só não junta papelão, com medo de cupim.

Morreu sabe que mesmo na casa nova continuará vivendo o problema das águas invadindo as casas – como também acontece com parte das moradias construídas no conjunto Nelson Mandela. "Se der uma tempestade, aqui atrás fica tudo alagado. Inclusive o canal aqui do lado. O que também faz entupir é o pessoal jogar garrafas de plástico nos bueiros. Como já não há muitos, o esgoto fica sem ter para onde correr e acaba estourando na rua", explica.

Se não bastasse o esgoto da própria comunidade, há também a sujeira do Canal do Cunha que se junta aos resíduos que descem da refinaria de Manguinhos. "Nós mesmos é que temos que nos virar. A gente vai pedindo ajuda a um e a outro para solucionar os problemas. Freqüentemente, temos que fazer mutirão para consertar um cano de esgoto estourado. É o trabalho diário da associação de moradores. Vivomandando pedidos a Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto). Até que a gente cansa e mete mãos à obra ", fala Ednildo.

Até o espaço de lazer na comunidade é difícil de ser aproveitado. Ao lado do rio Jacaré, há um campo de futebol. “Mas jogar ali é um sufoco; o campo é pequeno e a bola vive caindo no rio. Para pegar tem que entrar na água, que é imunda", diz Jorge Barcelos Soares, de 40 anos, que tem uma pequena birosca, em Mandela 1, ao lado das palafitas. Desse jeito, quando quer se divertir, ele pega a família e vai para a vizinha favela do Arará. "A realidade é que nós vivemos totalmente abandonados", resume.


VILMA HOMERO
do site Viva Favela

   
 
 
 

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