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crise
16/05/2005
Educador é quem mais se demite na Febem
 

Quase como em um episódio de fuga, o professor e jornalista João da Rocha Freitas Neiva, 54, simplesmente atravessou o portão sem olhar para trás e nunca mais voltou. Sem se despedir, ele abandonou quase três meses de uma experiência de educador social na Febem de São Paulo.

Do tempo que ficou, diz que viu de tudo, foi perseguido por denunciar regalias a internos e coagido a dar dinheiro para adolescentes comprarem droga, menos trabalho pedagógico.

"Saí totalmente desmoralizado. Queria fazer algo, mas me senti massa de manobra", afirma Neiva, que trabalhou de janeiro até o final de março no complexo do Tatuapé da Febem, na zona leste.

Pelo mesmo portão pelo qual Neiva "escapou", outros educadores contratados pela administração Geraldo Alckmin (PSDB) para melhorar o atendimento da Febem também abandonaram o trabalho. Segundo dados da própria Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, o índice de desistência dos 1.041 educadores sociais contratados neste ano, de 17,86%, corresponde a três vezes a média das demissões voluntárias registradas na instituição em 2005. Eles são os funcionários que mais pediram demissão na Febem neste ano.

Segundo a instituição, a média geral de demissões voluntárias na instituição é de 1,5% ao mês. Se seguisse esse padrão, a desistência dos educadores deveria ficar em 6%.

Em números absolutos, de janeiro até o dia 9 deste mês, 186 educadores sociais pediram para sair, os dados não incluem os demitidos pela Febem.

Os educadores sociais são responsáveis pelo contato direto com o interno e pela operacionalização das atividades pedagógicas. Eram apresentados pelo governo Alckmin como um fator de melhoria na instituição, principalmente por terem curso superior.

Em fevereiro, a Febem demitiu 1.751 monitores que acumulavam as funções de trabalho pedagógico e contenção. Eles estavam sendo substituídos pela instituição desde janeiro por educadores sociais e agentes de segurança nos principais complexos -Tatuapé, Vila Maria, Raposo Tavares e Franco da Rocha.

Office-boy
Em menos de três meses, Neiva disse que teve motivos suficientes para ser um dos que abandonaram a instituição. Ele teve a sorte de estar de folga em todas as rebeliões ocorridas no complexo do Tatuapé em 2005 -15 num total de 26 registradas na fundação até sexta-feira passada.

Mas foi no dia-a-dia, segundo o professor, que ele foi vencido. "Fui contratado para ser educador social, mas, se consegui fazer alguma ação pedagógica por algumas horas, foi muito", diz.

Segundo ele, seus projetos iniciais de implantar uma horta ou criar um grupo de teatro foram logo engavetados. "Só mandavam fazer bingo com os internos no qual eram distribuídos doces. Isso que é assistência pedagógica? Além de estimular o jogo, ainda ajudava a terminar com os dentes dos internos", afirma.

Neiva diz que se transformou em um office-boy dos internos. "Eu só servia para entregar sabonete, chinelo, pasta de dente que os internos pediam. Eu era um office-boy dos adolescentes", afirma o professor.

Por diversas vezes, ele diz que denunciou regalias e ameaças, mas nada aconteceu. Em uma dessas situações, ele conta que dois internos pediram para conversar em uma sala. Quando entrou, a porta foi fechada por fora por outros adolescentes.

Eles queriam um telefone celular, mas Neiva não tinha. Pediram, então, R$ 5, caso contrário chamariam os internos que estavam do lado de fora e ocorreria um espancamento.

"Pensei que seria muito pior ser agredido ali e acabei entregando o dinheiro, que foi usado para comprar droga. Eu vi os internos negociando a compra da droga 30 minutos antes", lembra Neiva.

O professor diz que denunciou o caso à direção do complexo. "Ficou por isso mesmo. Não quiseram fazer nada porque um dos internos estava para sair em liberdade assistida", afirma. A gota d'água ocorreu, segundo Neiva, quando teria presenciado a agressão de PMs a um interno prestes a ser transferido para outra unidade da Febem.

Quando chegou ao destino, Neiva diz que fez questão de afirmar na unidade que o jovem tinha apanhado. Como o interno não tinha marcas, ele foi aconselhado a esquecer o assunto. "Ficou insustentável. E os internos, que não são bobos, sabem quando a direção está insegura. E aí eles montam mesmo", disse.

Para Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, a desistência dos educadores sociais mostra que não há projeto pedagógico na Febem. "Essas pessoas só nadam contra a maré e sofrem boicote de todos os lados", diz.

Alves acredita que o índice de abandono vai crescer. "Se a linha-dura voltar, como parece que está acontecendo, mais pessoas vão desistir. Não adianta ter pessoas bem intencionadas em um sistema falido e corrompido."

Para o advogado João José Sady, professor de direito do trabalho e diretor da Associação Latino-americana de Advogados Trabalhistas, o índice de demissão voluntária de 17,86% entre os educadores sociais revela péssimas condições de trabalho.

"As pessoas estão desesperadas atrás de um emprego. Se estão desistindo, num cenário como esse, é porque a situação deve ser brutal", afirma Sady.

Outro lado
A Febem informou que muitos educadores sociais contratados neste ano não se adaptaram à rotina dos trabalhos.

A instituição admite que a desistência está acima da média das demissões voluntárias registradas, mas afirma que tomou uma série de providências para resolver os problemas.

Uma das medidas foi a substituição de 11 diretores do complexo do Tatuapé, na quarta-feira da semana passada. Esses diretores, segundo a fundação, não se adequavam ao projeto pedagógico.

De acordo com a Febem, houve dificuldades no período em relação ao trabalho pedagógico pretendido justamente por se tratar de uma fase de transição.

Nesse projeto, as atribuições dos monitores foram divididas entre os educadores e os agentes de segurança. O objetivo seria, segundo a instituição, melhorar o relacionamento entre funcionários e internos e acabar com os espancamentos nas unidades.

Segundo a assessoria da Febem, muitos educadores podem não ter se sentido confortáveis nesse período ou até frustrados com o resultado do trabalho. Mas a fundação reforçou que a substituição do comando do complexo vai permitir a retomada do trabalho.

Em relação ao caso do agente de segurança Joni Peres, que afirma ter sido abandonado pela Febem, a assessoria informou que a instituição cumpriu todas as suas obrigações trabalhistas.

De acordo com a fundação, Peres recebeu os dias a que tinha direito até a data da rebelião mais os 15 dias de pagamento previstos na legislação trabalhista --quando ele deveria começar a receber o pagamento pelo INSS.

Sobre um seguro previsto do 16º dia até a definição do pagamento pelo INSS --no valor diário de R$ 50, para evitar que o funcionário fique algum período sem remuneração, a assessoria de imprensa afirmou que há uma divergência de interpretação entre a Febem e a Cosesp (Companhia de Seguros do Estado de São Paulo).

A fundação seria favorável ao pagamento do seguro, considerando as agressões como acidente de trabalho, mas a companhia teria uma posição contrária. Essa questão ainda está em discussão.

A Febem também informou que foi feita uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) do caso, como prevê a legislação.

Por último, a fundação negou descontrole nas unidades, conforme afirmaram os funcionários, mas garantiu que qualquer denúncia formalizada será apurada.

Apesar de negar o descontrole, porém, a própria Febem demitiu, na semana passada, oito funcionários do Tatuapé flagrados em uma revista com celulares dos internos. Eles dizem que foram coagidos pelos adolescentes.

GILMAR PENTEADO
da Folha de S.Paulo

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