Apocalipse now
Semana
de desfiles em Londres reflete as preocupações metafísicas,
a rebeldia e o hedonismo da cultura inglesa
DA ENVIADA
ESPECIAL A LONDRES
France Presse
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Looks de Alexander McQueen |
A natureza
transitória das coisas, o fim do mundo, a virada do milênio.
Metafísica? Não, simplesmente a moda que se faz e se pensa
em Londres, na temporada de 49 desfiles que aconteceu de 23 a 27 de
setembro. Liderada por Alexander McQueen e por Hussein Chalayan, a London
Fashion Week funciona como um lúdico break entre os lançamentos
norte-americanos e italianos, cada vez mais orientados para o aspecto
comercial. Com a solidez de suas escolas de moda e seu ambiente criativo,
a cidade funciona como verdadeiro laboratório para novas idéias
e nomes emergentes.
McQueen foi a grande estrela. Acossado por críticas a seu trabalho
na maison Givenchy, em Paris, ele veio para detonar. Encheu os olhos
da mídia com uma coleção passada numa espécie
de cela de loucos com paredes de vidro. Antes de o desfile começar,
a platéia não podia ver nada lá dentro, apenas
o reflexo de si mesma no espelho, enquanto as modelos, do outro lado,
podiam ver o público pelo espelho duplo. Depois de as luzes se
apagarem e o desfile começar, as modelos enxergavam seu próprio
reflexo no espelho, mas não a platéia, e vagavam, perdidas,
ora encostando-se no cenário, ora nas paredes, feito loucas.
Segundo declarou o estilista à imprensa inglesa, o desfile gira
em torno da idéia de como coisas feias podem se transformar
em coisas bonitas, dependendo da percepção. Assim,
pássaros empalhados sobre os ombros de uma modelo completavam
um vestido cinza bem fluido, enquanto cascas de mariscos se transformaram
numa grande saia. Em meio à performance, entretanto, dezenas
de peças usáveis como terninhos masculinos de proporções
secas e contemporâneas mostravam às editoras que McQueen
sabia o que estava fazendo. O mesmo intuito foi obtido por Hussein Chalayan,
estilista de origem cipriota que desfilou no Gainsborough Studio, ao
norte de Londres, os mesmos estúdios onde filmava o diretor Alfred
Hitchcock. Chalayan apresentou o desfile por um filme quase surrealista
em que os vestidos explodiam, para depois entrarem modelos com vestidos
de saias rodadas e volumes feitos de sobreposição de camadas
de tecido e de estampas vermelhas em estilo op-art. Vivemos num
tempo de catástrofe. Os valores estão se quebrando, e
a moda precisa refletir isso, também disse Chalayan à
imprensa inglesa.
Mantendo o pé na realidade, uma sequência de jeans de efeito
trompe-loeil veio em jaquetas e calças, com lavagem descolorida.
Encerrando o desfile, seis modelos entraram na passarela e três
delas bateram com marretas nos vestidos de gesso das outras três,
que se quebraram.
Novos nomes
Se o drama é parte integrante da semana inglesa, novos nomes
começam a provocar frisson, como Arkadius, que se volta para
suas raízes e para o folclore da Polônia. Outra recém-chegada
é a grega Sophia Kokosalaki, em seu segundo desfile, que pretende
produzir roupas atemporais e femininas. Deu certo, e Kokosalaki conseguiu
também seu primeiro contrato, como estilista para a marca experimental
Ruffo Research, de Paris, para lidar com o couro.
O hedonismo e o espírito da Cool Britania (movimento de valorização
dos personagens ingleses) também se fazem presentes nas passarelas.
Hype absoluto entre os fashionistas é a ex-jornalista Luella
Bartley, que em sua marca Luella aciona amigas como Kate Moss para contar
a história de uma moda descolada, a cara da jovem inglesa sexy
e segura (a exemplo de outra amiga, Stella McCartney). Neste verão
ela brinca com suas criações anos 80, ao som de Go-Gos
e inspiradas em The Clash e em Madonna no clipe de Borderline,
com terninhos grafitados e jeans fluo tudo embalado por um styling bem
pop, com meias coloridas e scarpin preto.
Outro hot ticket é a dupla Boudicca, que apenas em sua segunda
coleção é coqueluche total. O estilo austero da
dupla de estilistas Zowie Broach e Brian Kirkby baseia-se neste verão
em preto e branco, numa silhueta calcada na alfaiataria, com monásticas
camisas brancas com desenhos de estrelas e figuras geométricas.
Para Boudicca, a atenção está no detalhe. Matthew
Williamson batizou sua coleção de Candy Girls,
um exercício fluo, jovem e divertido de silhuetas fragmentadas,
como no vestido de alcinhas de algodão, em tons pastel, ou os
adoráveis vestidos de espanholas multicor, cheios de babados.
Clements Ribeiro, dupla formada pela inglesa Susanne Clements e pelo
brasileiro Inacio Ribeiro, se move para os anos 80, drapeando vestidos
no jérsei, desenhando-os com um ombro só e atitude mezzo
80 mezzo deusa greco-romana. O revival da década aparece nos
grandes ilhoses de metal dourado-fosco e nos scarpins.
(ERIKA PALOMINO)
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