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Existe temor de que ‘comida Frankenstein’ aumente as alergias e afete biodiversidade

Impactos ainda são pouco conhecidos, dizem especialistas em biotecnologia

CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine a tragédia: uma empresa altera uns poucos genes de um complemento alimentar, que é vendido à população sem que ninguém saiba da alteração. Resultado: 37 pessoas morrem. O desastre aconteceu nos EUA, em 1989. Até hoje, povoa os pesadelos de ambientalistas e cientistas contrários à liberação dos transgênicos.
Mas o fato é que os riscos da “comida Frankenstein”, como é apelidada em inglês, para a saúde humana e o ambiente são mal dimensionados.
“Faltam estudos que comprovem ou não a segurança dos organismos geneticamente modificados”, afirma a bioquímica Glaci Zancan, da Universidade Federal do Paraná, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Ela é uma das especialistas que afirmam que, na dúvida, o melhor é mantê-los fora das mesas e dos campos de cultivo.

Riscos teóricos
Do outro lado, argumenta-se que a tecnologia de produção e avaliação da segurança dos transgênicos pelas empresas está cada vez mais avançada.
“O homem vem produzindo transgênicos há milênios, com a seleção artificial de plantas”, diz o biólogo Adilson Leite, da Unicamp, que desenvolve milho modificado para produzir proteínas humanas. “Os riscos são os mesmos de qualquer nova variedade de planta.”
Entre os principais problemas teóricos dos OGMs (organismos geneticamente modificados) para a saúde, está o aumento dos casos de alergia. Para se defender de agressões do meio, as plantas produzem uma série de proteínas tóxicas ao homem. Ingeridas, podem disparar o sistema imunológico, provocando reações alérgicas. Mas ninguém conhece direito seu mecanismo. Os genes que as controlam podem funcionar encadeados: um controla a atividade do outro.
Ao produzir um transgênico, é impossível saber exatamente em que ponto do DNA da planta o gene estrangeiro será inserido. Existe a possibilidade de que ele caia justamente na vizinhança de um outro que controle a produção de uma proteína tóxica e exagere a sua atividade.
No caso do complemento alimentar, a manipulação acabou provocando a superexpressão dos genes que controlavam a toxina.
Isso é grave no caso da soja, uma planta naturalmente alergênica para certas pessoas. Um estudo feito na Inglaterra sugeriu que uma variedade transgênica da planta poderia provocar 50% mais alergias do que a normal.

Sem controle
“É difícil avaliar, porque não há dados epidemiológicos suficientes em lugar nenhum do mundo. E os EUA, onde já se consome soja transgênica há algum tempo, não fazem esse tipo de controle”, afirma Glaci Zancan.
Outro risco para a saúde seria o surgimento de bactérias resistentes a antibióticos. Para produzir um transgênico, os cientistas inserem no DNA da planta um gene de resistência a antibióticos como um marcador, um aviso químico de que a transgenia “pegou”. Se não for destruído no sistema digestivo, ele pode se transferir para as bactérias do intestino, tornando-as imunes à droga, que passaria a ser ineficaz contra doenças provocadas pelas bactérias que tivessem adquirido o novo gene.
Mas a chance de isso acontecer ainda é remota. O mais provável é que o gene indesejável seja destruído no sistema digestivo.
Além das superbactérias, os ambientalistas temem que os transgênicos criem superpragas.
Os chamados OGMs de primeira geração têm genes que melhoram o desempenho agrícola da planta, como a resistência a herbicidas.
Com o milho Bt, isso já pode estar acontecendo. Ele tem um gene de uma bactéria que produz uma toxina mortal para os insetos, mas inofensiva aos humanos. Mas alguns espécimes podem resistir, passando seus genes para a frente. Em pouco tempo, todas as linhagens de lagarta seriam resistentes à toxina.
Para evitar o problema, o governo dos Estados Unidos está recomendando que os agricultores que plantam o Bt façam refúgios _plantações de milho não-transgênico que ocupem entre 10% e 50% da lavoura_ para que os insetos que comem as duas variedades possam cruzar entre si.

Biodiversidade
Outro argumento contra os OGMs são os dois riscos principais para a biodiversidade: o da polinização cruzada com plantas nativas _o que levaria o DNA do transgênico para uma espécie selvagem, criando híbridos com genes alterados_ e o da morte, por toxinas produzidas pelo OGM, de espécies de inseto que não atacam as plantações.
Nos EUA, o plantio de transgênicos foi liberado sem necessidade de relatório de impacto. Foram considerados espécies exóticas, ou seja, sem correspondente selvagem com o qual pudessem se misturar no país. No Brasil, o perigo também é remoto. “Mas não se sabe se há plantas aqui que possam cruzar com a soja transgênica”, afirma Adilson Leite.
Quanto aos insetos, não se pode dizer o mesmo. Um estudo publicado pela revista científica “Nature” em dezembro de 1999 mostrou que a raiz do milho transgênico exala substâncias tóxicas que podem ficar dias no solo, afetando a microfauna.
O problema é especialmente grave no Brasil, onde as espécies de insetos que moram ao redor das lavouras são muitas e pouco conhecidas. “Em um centímetro quadrado de solo no Brasil temos mais espécies do que em um hectare nos EUA”, compara Rubens Nodari, do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Catarina.
“Mas a agricultura é, em si, uma atividade predatória”, afirma Leite, da Unicamp. “Os transgênicos nos permitem aumentar a produtividade sem aumentar a área cultivada, o que é bom para o ambiente.”


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