Guia turístico de lugares 'difíceis' propõe mostrar conflitos de São Paulo

Cartões-postais paulistanos como o Monumento às Bandeiras e o Masp são atrações garantidas em qualquer guia de turismo da cidade.

Em "O Guia dos Lugares Difíceis de São Paulo", com publicação prevista para novembro pela editora Narrativa Um, não poderia ser diferente. Mas, na verdade, é um pouco.

"É um guia como qualquer outro, que orienta visitas e ajuda o turista. Mas a ideia foi fazer um guia 'do avesso', que, em vez de mostrar a cidade apenas pelas suas belezas, mostra os aspectos tensos, traumáticos e também aqueles que revelam lutas sociais, dificuldades e desafios de vários tipos", explica o coordenador da publicação, Renato Cymbalista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e presidente do Instituto Pólis, ONG voltada ao urbanismo.

Ou seja: além de uma bela e icônica escultura inaugurada para a comemoração de 400 anos da capital paulista, no guia a obra de Victor Brecheret é lembrada também como alvo de diferentes protestos ao longo de sua existência.

Em um dos mais icônicos, em 2013, manifestantes, contrários a uma proposta de emenda à Constituição que possibilitaria a revisão de terras indígenas demarcadas, atiraram tinta vermelha no monumento, em referência ao sangue de índios, além de picharem os dizeres "bandeirantes assassinos".

Já o vão-livre localizado sob o prédio projetado por Lina Bo Bardi para o museu na av. Paulista é apontado como um local de conflito entre as esferas pública e privada: a esplanada pertence à Prefeitura, mas a direção do Masp tem interesse na área e ensaiou tirar de lá a feirinha de antiguidades, que ocorre no local aos domingos há mais de três décadas.

"É um guia que busca escavar a superfície para revelar feridas ou reabrir cicatrizes", diz Cymbalista.

O projeto teve início em 2014, como uma disciplina de graduação. Em uma segunda etapa, algumas das fichas de lugares listados nas aulas foram consolidadas e outras propostas em workshop aberto ao público, realizado entre os dias 21 e 24 de março no Centro Universitário Maria Antonia.

No fim, serão contempladas dezenas de atrações (ainda em definição) divididas em nove categorias, que reúnem lugares com fatores comuns entre si, sistematizados com texto, foto e mapa.

Tudo produzido pelo corpo de autores voluntários após processo de pesquisa em jornais, enciclopédias, história oral e outros.

As categorias serão divididas por temas. A de segregações, por exemplo, buscará mostrar, segundo o professor, "como a cidade foi sempre construída mais para uns que para outros", como a região do Baixo Augusta.

A de resistência reunirá "locais que lembram que grupos precisaram e precisam lutar pelo direito de se expressar", como as 'ghost bikes'", homenagens a ciclistas mortos por atropelamentos.

Divisões como moradia (entre eles o conjunto residencial da USP), morte (praça da Liberdade, "antigo Largo da Forca" ) e ditadura (36º DP, antiga sede do DOI-Codi) também estão previstas.

"São espaços que permitem a reflexão em torno de questões que, na verdade, são permanentes na nossa sociedade. Nos ajuda a reunir as condições e a esperança necessárias para termos um futuro melhor do que o passado e o presente", avalia Cymbalista. "Esse guia é um instrumento para interpretar a cidade e aprender com ela, não um trem-fantasma assustador."

A tiragem inicial, segundo a editora, deverá ser de mil exemplares. Ainda não há estimativa de preço.

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