Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Ana Melhado, engenheira civil que trabalha com sustentabilidade |
Ao pedir seu sorvete num estabelecimento na Praça Vilaboim, em Higienópolis, na região central, Ana Rocha Melhado, 51, critica: "Percebe como este freezer emite um calor absurdo e deixa o lugar desconfortável?".
Recifense radicada em São Paulo desde 1993, a engenheira civil trabalha com um certificado de sustentabilidade chamado AQUA-HQE, que começou a ser emitido na França, em 2004. Ao menos 250 mil projetos de 16 países já receberam o selo, implementado no Brasil em 2008 pela Fundação Vanzolini. Ele é uma garantia de que o prédio segue as normas internacionais de sustentabilidade.
Para obtê-lo, alguns fatores são levados em conta: materiais de construção e baixo impacto, consumo de água e energia eficientes, sistema de coleta de resíduos individualizado e coletivo, horta urbana compartilhada e jardim pensado para interagir com as redondezas. Tijolos, tintas, vidros, cerâmicas e madeiras devem ser monitorados desde o local de fabricação. Precisam ainda não conter elementos prejudiciais à saúde de operários e futuros moradores.
Um dos prédios certificados na capital é o residencial Vitra Tower, localizado no coração do Itaim Bibi, na zona oeste. Tem 15 pavimentos, um apartamento por andar e cerca de 50 habitantes. "Sua fachada é toda de vidro Low-E de cor azul, feito com medidas especiais e material que absorvem o calor sem prejudicar a luminosidade", explica diz Ana, professora de engenharia civil da Faap.
Normalmente, as construções residenciais brasileiras têm como base concreto armado, viga, laje e pilar, fechamento em alvenaria e revestimento em argamassa, pintura ou cerâmica. No Vista Clementino, na Vila Clementino (zona sul), foi escolhido um tipo de bloco que oferece maior conforto térmico e janelas de vidro que permitem melhor iluminação natural. A água de chuveiros e pias vai para um reservatório, onde é tratada e reaproveitada em jardim e bacia.
Na capital, 321 edifícios residenciais e comerciais enquadram-se nos parâmetros de sustentabilidade internacionais, ou seja, 0,8% do total de 40 mil prédios, segundo estimativa do Secovi (sindicato do setor).
No Plano Diretor de 2014 estava previsto o chamado IPTU Verde, uma desoneração de até 4% para novas construções sustentáveis e imóveis com reformas que os readequassem, além da Cota Ambiental, destinada a prédios que extrapolassem o gabarito desde que seguissem os padrões exigidos.
"Ambos os projetos foram engavetados pela Câmara por falta de vontade política e problemas no orçamento", diz Bruno Casagrande, 33, arquiteto de desenvolvimento de negócios da Fundação Vanzolini, que participou da elaboração do Plano Diretor.
Mas o trabalho de Ana é mostrar que essa mudança é possível. Ela fez doutorado em Paris, onde estudou o Rive Gauche, área revitalizada que se tornou um modelo global quando se fala no tema. O resultado está no livro "Projetar e Construir Bairros Sustentáveis". Diz ela: "Era um bairro a 3,5 km da Notre Dame, bem similar, no passado, à Barra Funda, com muitos edifícios e galpões abandonados e degradados".
Depois das modificações, não é mais possível identificar diferenças sociais dos moradores pelas suas casas. "Arquitetonicamente, isso acaba refletindo na segurança."