Nos botecos coreanos do Bom Retiro, o sabor é picante e todos os gatos têm olhos puxados

No princípio, era o aluno quieto e compenetrado sentado na fila do gargarejo. Os coreanos eram gente muito fechada. Depois veio o celular Samsung. A televisão LG. O carro Hyundai. O Psy. "Eeeh, sexy lady!" A Coreia virou pop à "Gangnam Style". A culinária coreana foi parar até na Ana Maria Braga.

Só que a abertura dos coreanos tem limite. No Bom Retiro há restaurantes, lojas, cafés, confeitarias e salões de beleza em que o idioma português não vale grande coisa. E à noite, na Seul paulistana, todos os gatos têm olhos puxados.

O equivalente do izakaya japonês é o pojang macha. Um boteco, basicamente, com comida de estilo caseiro. O Bom Retiro é cheio desses estabelecimentos, mas o não-coreano sequer consegue identificá-los: os letreiros, quando os há, estão no alfabeto hangul.

Eu precisava de um guia. Consegui dois: Sae Young Kim, dono do restaurante New Shin-la Kwa, e Yoo Na Kim, jornalista dedicada a divulgar a cultura coreana no Brasil. Ambos imigraram para cá na infância. Eles não têm parentesco entre si -muito menos com o ditador norte-coreano Kim Jong-un.

A noite coreana começa cedo. Eram só 18h30 quando o grupo de oito pessoas se encontrou no restaurante de Sae.

A especialidade do New Shin-la Kwan é o bul go gi, churrasco preparado à mesa e acompanhado dos banchan, pequenos potes com conservas de legumes agridoces e picantes. É o prato mais conhecido da cozinha coreana, mas aqui ele tem um "plus a mais": em vez de um fogareiro a gás, a mesa acomoda uma churrasqueira a carvão.

Comemos um pouco, tomamos um soju, aguardente típica da Coreia, e saímos para o percurso dos botecos.

Botecos coreanos

A primeira parada é no Dogkebi, onde a juventude coreano-brasileira ocupa a calçada para beber cerveja e comer corn dog, uma salsicha empanada e frita no palito. Legal, mas tem gosto de salsicha.

Bagulho bem mais doido é o topoki, espécie de nhoque de arroz servida com molho vermelho. Assim como em tudo na comida coreana, vermelho não significa tomate. Significa pimenta –mais precisamente gochujang, um tipo de missô picante.

Caminhamos mais algumas quadras até o Jugung, uma portinha de garagem de um sobrado insuspeito. O segurança plantado na calçada nos deixa passar para um corredor. Este leva até um pequeno espaço com uma escada que dá para o amplo pátio onde ficam as mesas.

Entregam-nos um cardápio em coreano. Mais soju. Sae manda trazer ojinjeo bokkeum, lula refogada com muito gochujang. Ela segue a lógica universal das comidas de boteco: é salgada e apimentada, feita sob medida para o cliente chamar bebida.

Seguimos então para o Sulsang, um típico pojang macha. Ocupamos uma mesa no salão escuro e apertado. O cardápio etílico começa a variar. Sae nos apresenta o makgeolli, fermentado de arroz com aparência leitosa, e o bokbunjaju, vinho de framboesa coreana. Errrr... cadê a cerveja?

A aparência de inferninho esconde o talento culinário de Jon Mi Che, a dona do lugar. Ela não fala português –sua filha, que atende as mesas, cuida da tradução. Quando vê as câmeras, Jon corre para o espelho se maquiar.

No Sulsang encontramos a grande estrela da gastronomia coreana: o kimchi, acelga fermentada, apimentada e amada por hipsters do mundo inteiro. Dona Jon nos prepara uma panqueca com ele, a kimchijeon. Deliciosa.

Também nos serve cheese-buldak, que em tradução literal quer dizer "frango de fogo com queijo". Os pedaços de sobrecoxa vêm submersos em, sim! Gochujang. Também leva milho e queijo derretido. Um pedido para os fortes.

Como cortesia, a dona do Sulsang nos oferece uma sopa leve de macarrão. Ela pensa que vamos para casa fazer naninha. Já são quase onze da noite. Mas não.

Noitada asiática tem que ter karaokê. Ou melhor, noraebang, o nome coreano da coisa. O Dream 21 é enorme, parece um hotel. Cada grupo aluga uma sala para fazer a zona que quiser. Pegamos a nossa, chamamos um balde de cervejas e -como manda o ritual do noraebang- uma bandeja de frutas diversas.

A noitada, que começou às 18h30, acabou "Gangnam style", depois das duas da madrugada. Eu até aprendi a cantar em coreano; pena que tenha esquecido tudo na manhã seguinte.

New Shin-la Kwa - R. Prates, 343, Bom Retiro

Dogkebi - R. Três Rios, 110, Bom Retiro

Jugung - R. Joaquim Murtinho, 139, Bom Retiro

Sulsang - R. Newton Prado, 180, Bom Retiro

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