Ignorado por rádios, pop coreano bate recorde nos EUA e vira febre no Brasil

AMANDA NOGUEIRA
DE SÃO PAULO

Já estavam lá as coreografias sincronizadas, as melodias viciantes e as batidas dançantes sob a influência do hip-hop americano.

A música pop sul-coreana, mais conhecida como k-pop, crescia desde o início dos anos 1990, mas explodiu mundialmente a partir de 2012 com o hit "Gangnam Style", do rapper Psy. E, ainda que os fãs do "gênero" o considerem como um fenômeno isolado, aquele single foi o primeiro na história a conquistar 1 bilhão de visualizações no YouTube.

Em setembro, o k-pop atingiu um novo marco que sinaliza sua assimilação no mercado ocidental. Agora, emerge elevando a fórmula de boys e girls bands à máxima potência, tendo como público-alvo jovens de 12 a 20 anos.

O grupo BTS, uma das exportações mais promissoras da Coreia, debutou em sétimo lugar na Billboard 200 com o lançamento de seu EP "Love Yourself: Her". Foi a primeira vez que um grupo de k-pop atingiu o top 10 da parada americana.

Crédito: Ilgan Sports/Getty Images BUSAN, SOUTH KOREA - OCTOBER 11: BTS perform onstage during the 2015 Asia Song Festival at Busan Asiad Main Stadium on October 11, 2015 in Busan, South Korea. (Photo by ilgan Sports/Multi-Bits via Getty Images) ORG XMIT: 586533011
O grupo BTS, que conquistou as paradas americanas com músicas em coreano

Na semana seguinte, em outubro, o septeto de garotos emplacou o single "DNA" em 85º lugar na Hot 100, alavancado por 5,3 milhões de reproduções em streaming e 14 mil vendas digitais na semana de lançamento. O hit atingiu a 67ª posição na contagem seguinte e permaneceria na parada por mais duas semanas.

O feito é memorável, uma vez que o grupo se apoia em apenas dois dos três pilares que compõem a métrica do ranking que mede as canções mais populares nos EUA.

O terceiro, a execução em rádios, é praticamente nulo. A "Billboard" chegou a entrevistar o programador da única rádio americana que tocou "DNA" mais de duas vezes naquelas semanas. J.J. Ryan, da KJYO, estação local da cidade de Oklahoma, confessou ter sido apresentado ao grupo por sua filha de 13 anos.

Segundo o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), o grupo nunca emplacou sequer uma de suas canções em rádios brasileiras.

Ainda assim, em sua terceira vinda ao Brasil, em março deste ano, o BTS conseguiu liquidar os 15 mil ingressos de seus dois shows em questão de horas. Na época, fãs reclamaram da espera de até cinco horas em uma fila on-line que reuniu cerca de 50 mil pessoas na disputa pelas entradas.

Em 2015, algo semelhante aconteceu e a organização alterou o local daquela apresentação para o Espaço das Américas, com capacidade para abrigar 8.000 pessoas, mais que o dobro da casa anterior.

O BTS não é o único a dimensionar a febre do k-pop no Brasil. Quando a K.A.R.D anunciou, em março, que faria shows no país em junho, o grupo virou um dos assuntos mais comentados no Twitter e atingiu seu maior número de buscas na região em toda a história, segundo o Google Trends.

ONDA COREANA

Integrando dança e música, o k-pop virou porta-voz da Hallyu, termo que designa a expansão cultural da Coreia do Sul, traduzido para o português como Onda Coreana.

"Enquanto outros países usam seus idiomas para expandir suas culturas, a Hallyu se espalhou rapidamente pela internet", diz Young Sang Kwon, diretor do Centro Cultural Coreano no Brasil. Kwon não sabe a que creditar a forte adesão dos brasileiros. "Também fico curioso", diz.

A instituição promoveu neste ano a primeira edição da K-Pop Academy, uma programação com cursos de dança e canto ministrados por professores coreanos.

Ela também articulou a primeira passagem da audição global da SM Entertainment, uma das principais agências de talentos coreanas, no Brasil. O país foi o que teve maior número de inscritos, com 6.000 interessados.

Apesar de englobar diversos ritmos, incorporando rock, rap e até mesmo o reggaeton, o k-pop é muitas vezes tratado como um gênero homogêneo. Há, inclusive, canais e playlists dedicados a ele em plataformas de streaming, como Spotify e Deezer.

Cada faixa possui um conceito diferente que é traduzido em seu clipe –um se passa em um museu, outro em uma escola e até no espaço sideral, por exemplo–, que recebe uma produção digna de blockbusters hollywoodianos.

Para Babi Dewet, coautora de "K-Pop - Manual de Sobrevivência" e apresentadora do programa "Ponto K-Pop", da PlayTV, uma das explicações para o fenômeno é sua capacidade de "agrupar jovens que se sentiam diferentes". "O k-pop salva vidas, acaba trazendo a vontade de ser melhor e criar algo juntos", diz.

O pop coreano se alastrou nos últimos cinco anos e se tornou assunto de quadros em programas como o do Raul Gil, no SBT, e em canais de youtubers como Felipe Neto. Aos fins de semana, locais como o Centro Cultural São Paulo viram palcos a céu aberto para diversos grupos de jovens que tentam emular seus ídolos.

É lá que Shun, 22, ensaia religiosamente com o grupo KNRG. "O que o k-pop conseguiu fazer no ambiente de música pop é uma coisa nova", diz sobre a mistura de ritmos do fenômeno que conheceu com a irmã pelo YouTube.

"As pessoas acham loucura você estar no Brasil e gostar de música coreana, do outro lado do mundo", diz a estudante Gabriela Souza, 20, também integrante do KNRG.

Dados do Censo Demográfico de 2010 registram 8.722 coreanos residentes no Brasil. Esse número chega a 50 mil em um cálculo de Kwon ao considerar os descendentes. Mas, com um marketing boca a boca, o k-pop atingiu um público que não tinha vínculos com o país asiático.

Segundo o Centro Cultural Coreano, isso gerou maior procura por aulas do idioma.

O k-pop está longe de se mostrar como uma moda passageira. "Além de ser um estilo musical em ascensão no mundo todo, é também um estilo de vida", explica Dewet.

 

TRECHOS

"DNA", do BTS
Nosso encontro é como uma fórmula matemática
Um mandamento religioso, providência do universo
A evidência que o destino me deu
Você é a fonte dos meus sonhos
Pegue, pegue
Minha mão se estendendo até você, é o destino
Não se preocupe, amor, porque tudo isso não é uma coincidência

"Holiday", de Girls' Generation
Hoje é o nosso feriado
Um ótimo dia chegou, esperamos por tanto tempo
É o nosso feriado especial
É um dia para você e eu
Vamos jogar fora nossos corações cansados
Aqui, apenas precisamos nos divertir
Feriado, nossas histórias deslumbrantes do passado

"Mr. Simple", do Super Junior
Você não pode ficar bravo com o mundo só porque ele não vai do jeito que você quer
Não precisa disso
Cuide da sua vida, e pare de se preocupar com coisas pequenas
Isso não faz bem à saúde
Notas podem ser altas e baixas, mas e daí?!
Apresentações podem ser boas ou ruins, acontece
Às vezes é bom apenas parar para relaxar e descansar
Porque tudo tem seu tempo

 

GLOSSÁRIO

Annyonghaseyo! - olá

Aegyo - do coreano, agir de forma fofa

Idol - da palavra inglesa "ídolo", como os artistas são chamados no k-pop

Bias - da palavra inglesa "tendencioso", significa o seu idol favorito em um grupo

Comeback - do inglês, significa o retorno dos artistas com novos trabalhos

Daebak - algo inacreditável ou impressionante

Fancafe - comunidade ou fórum coreano que cada idol possui e usa para manter contato com os fãs

Sasaeng - palavra usada para se referir a fãs que perseguem seus idols 24 horas por dia

Stan - expressão para descrever fãs mais ávidos por alguma coisa

Trainee - aspirantes a idol em fase de treinamento nas agências

Ultimate bias - o idol favorito dos favoritos

*Fonte: "K-pop - Manual de Sobrevivência"

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