Cordão da Bola Preta, 101 anos: e um simples vestido mudou para sempre o Carnaval carioca

Mulher, chope e Carnaval —muito provavelmente, nesta ordem.

Esses eram os objetivos de 18 boêmios que se reuniam, noite após noite, no Bar Nacional, centro do Rio. Dissidentes do Clube dos Democráticos, uma das principais sociedades carnavalescas da cidade naqueles idos de 1918, eles queriam abrir um cordão próprio.

Eduardo Knapp/Folhapress
Desfile do Cordão da Bola Preta no centro do Rio, com as musas Raissa Machado e Laura Sabino
Desfile do Cordão da Bola Preta no centro do Rio, com as musas Raissa Machado e Laura Sabino

Certa bebedeira, uma mulher surgiu na calçada do boteco. Usava um vestido colante branco com bolas pretas. Topou o convite dos rapazes, sentou-se à mesa, incentivou o advento do bloquinho. Inebriado, um dos membros declarou:

— Nosso cordão está fundado! E seu nome, em homenagem a esta mulher que aí está será Cordão da Bola Preta!

Passados cem Carnavais, o Rio não é mais a capital do Brasil. A tal musa inspiradora? Sumiu, antes mesmo do grupo apresentar seu primeiro cortejo. Já a agremiação criada naquela noitada não apenas permanece em atividade como passou a pleitear o título de maior bloco do mundo.

"O Galo da Madrugada acha que é o maior; nós achamos que é o Bola Preta. Mas a rivalidade fica por aí", contemporiza Pedro Ernesto Marinho, 66, presidente da instituição carioca, sobre a briga pelo posto de número 1 "do universo" com o bloco do Recife (PE).

Em 1995, a certificação do "Guinness Book" foi concedida ao Galo. A competição, porém, acirrou-se em 2011, quando o Cordão da Bola Preta reuniu 2 milhões de foliões no centro do Rio e tomou o recorde de público do "rival" pernambucano, que era de 1,6 milhão. Nos anos seguintes, os dois superblocos divulgaram plateias ainda mais numerosas, que chegaram a 2,5 milhões de pessoas para cada um. Como não houve confirmação oficial, a peleja segue aberta...

Administrador aposentado, nascido na interiorana Itaocara (RJ), cidade com menos de 30 mil habitantes, Pedro Ernesto recorda com detalhes sua estreia numa festa em que cintilava o estandarte preto e branco. Foi em 1971.

"Eu tinha 18 anos, um ano e pouco de Rio. Estava pelo centro à noite, quando ouvi a batucada. Olhei pra cima e pensei: 'Ah, aqui é o famoso Bola Preta!'. Nasceu uma paixão."

No fim da década de 1930, o bloco já ganhava notoriedade. Sua primeira sede, um sobrado alugado na rua Bitencourt da Silva, no burburinho da Cinelândia, virou a capital informal da irreverência no Rio, epicentro da folia sem hora para terminar.

Bailes, chorinhos, serestas, rodas de samba: os eventos ali começavam no sábado e viravam o domingo. E passaram a ser frequentados, ao longo dos anos, por estrelas da música brasileira —Pixinguinha, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Jamelão, Beth Carvalho, Elizeth Cardoso.

Ouça no deezer

"Eram quatro meses de Carnaval todo ano", lembra João Roberto Kelly, 80, produtor musical e compositor de clássicos como "Cabeleira do Zezé" e "Mulata Bossa Nova".

O "rei das marchinhas" também não esquece a primeira vez que pisou no Bola Preta. "Um amigo me levou, depois de alguns chopes no [bar] Amarelinho. Tinha uma banda maravilhosa tocando, comandada por Maestro Sodré. Eu me apaixonei naquele dia, foi amor à primeira vista."

Kelly testava marchinhas na sede, onde sentia a recepção do público —o que fazia sucesso ia para o estúdio de gravação. No mesmo palco, Neguinho da Beija-Flor deu os passos iniciais como intérprete, antes de explodir na escola de Nilópolis (RJ).

Bruno Santos/Folhapress
Centésimo desfile do Cordão da Bola Preta, no ano passado
Centésimo desfile do Cordão da Bola Preta, no ano passado

O boêmio bairro da Lapa abriga a atual sede do bloco, que está celebrando 101 anos. Patrimônio Cultural Carioca desde 2007, é o responsável pela abertura do Carnaval da cidade, na manhã de sábado. Seus desfiles só trazem marchinhas e sambas-enredos históricos. Axé ou funk invadindo o cancioneiro carnavalesco mais puro? Nem pensar.

"Essa é a nossa tradição. Mas somos uma instituição democrática, que aceita todos os tipos de público", diz Pedro Ernesto. "Só pregamos mesmo a paz, o amor e a alegria."

Nesses tempos de bala, literal ou figurativamente falando, talvez esta seja uma santíssima trindade ainda melhor do que mulher, chope e Carnaval.

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AGENDA
Cordão da Bola Preta
Sábado 2/3
9h30
R. Primeiro de Março, esquina com a r. do Rosário, centro

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QUEM LEVA

Submarino Viagens
A partir de R$ 1.283 por pessoa. Inclui três noites (de 2 a 5/3) em quarto duplo, café da manhã e aéreo.
submarinoviagens.com.br; tel. 3003-2989

Maringá Turismo
Quatro noites (de 2 a 6/3) em apto. duplo, com café da manhã, a partir de R$ 2.280 por pessoa. Inclui aéreo.
maringalazer.com.br; tel. 3156-9828

Abreutur
A partir de R$ 2.420 por pessoa, de 1º a 5/3. Em quarto duplo, com café da manhã, aéreo e traslados.
abreutur.com.br; tel. 2860-1840

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