REFLEXÃO


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folha de s.paulo
05/11/2007

Luzes da cidade

É impossível não ver um avanço e tanto quando o centro chama a atenção do mundo com riqueza

Num único dia, Roberto Lombardi de Barros embolsou R$ 60,4 milhões ao vender uma parte de suas ações da Bovespa Holding, a nova proprietária da Bolsa de Valores de São Paulo. Essa montanha de dinheiro obtida tão rapidamente por um indivíduo é uma das traduções da operação de abertura de capital em que se arrecadaram R$ 6,6 bilhões.

O bem-sucedido lançamento de ações mostra uma aposta no futuro das empresas e, é claro, do Brasil.

Aguarda-se a abertura de capital da Bolsa de Mercadorias & Futuros, que promete mais um jorro de dinheiro para um punhado de afortunados como Roberto Lombardi. Existe, porém, uma tradução provinciana: os R$ 6,6 bilhões levantados num mesmo dia indicam que a cidade de São Paulo está encontrando sua luz no fim do túnel.

Luz no fim do túnel significa a descoberta de uma vocação econômica, baseada em serviços, capaz de produzir riquezas. De janeiro a setembro deste ano, segundo dados do Ministério do Trabalho, criaram-se, na cidade de São Paulo, 183.607 novos empregos com carteira assinada; é mais do que se criou em todo o Centro-Oeste brasileiro. Comparando-se com o mesmo período de 2006, o aumento é de 16%.
Resultado: demanda crescente por mão-de-obra, especialmente a qualificada. O grau de empregabilidade dos formandos de cursos profissionalizantes de nível médio e superior vai além dos 80%.

Há uma corrida, por exemplo, atrás de engenheiros ou de mestres-de-obra. Nos últimos 12 meses, o emprego na construção civil, na cidade, cresceu 14%. A demanda levou empresários a lançar um projeto chamado "Doutores da Construção", destinado a formar eletricistas, serralheiros, encanadores, pedreiros e marceneiros. Os aprovados passam a ter o nome listado no site do projeto; os reprovados são convidados a voltar a estudar.

Orgulhosa de ser o motor do Brasil, São Paulo entrou em crise de identidade quando se combinaram a perda de indústrias, muitas das quais rumaram para o interior, e o baixo crescimento econômico. Persistiam uma alta taxa de fecundidade e a chegada de migrantes.

Os sinais da depressão eram visíveis em todos os lugares. A região central, onde estão os prédios da Bovespa e da BM&F, antes tão charmosa, virou palco de desempregados, crianças drogadas, camelôs, trombadinhas e mendigos. Surgiram 3 milhões de pobres (metade dos quais na linha da indigência), sem contar todo o cinturão de miséria da região metropolitana; um nível de desemprego entre os jovens da periferia que ultrapassa os 60% e condições de moradia indecentes; a educação pública se massificou, piorou ainda mais de qualidade e formou diferentes modalidades de analfabetos. Esses são alguns dos fatores que ajudam a entender nossa sensação de insegurança.

Nada mais simbólico do que o bairro da Luz, cuja estação recebia os esperançosos migrantes e imigrantes. Ao redor dali, os empresários construíram imponentes mansões. A imagem da prosperidade desapareceu quando a região foi invadida por meninas e meninos viciados em crack, maltrapilhos e esparramados pelo chão, criando a cracolândia.

Neste mês, foi anunciada uma lista de grandes empresas, especialmente do segmento de tecnologia de informação, dispostas a fazer investimentos na cracolândia. Seduzidos por estímulos fiscais e pela escassez de centrais com boa infra-estrutura, os empresários cheiraram a chance de ganhar dinheiro. Nos últimos anos, reformas produziram ali alguns dos magníficos equipamentos culturais como a Sala São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa e a Pinacoteca. Fez de uma prisão de presos políticos (Deops) um museu de arte contemporânea.

Por isso, o mais potente símbolo de revigoramento paulistano está na cracolândia, rebatizada Nova Luz. Insinua-se, nesse batismo, o fim de uma cidade como a conhecemos, na qual, por falta de trabalho, a miséria apenas cresceu junto do caos urbano, personificado nas crianças destruídas pelo crack.

O estoque de selvageria deixado é tão grande que ainda não podemos ver claridade. Por enquanto, só a luz no fim do túnel. Mas é impossível não ver um avanço e tanto quando o centro da cidade, paisagem dos destroços humanos, chama a atenção do mundo por uma inusitada geração de riqueza. Mesmo que seja para tão poucos.

A virada que testemunhei em Nova York estou assistindo, embora muito mais lentamente, em São Paulo -até mesmo a redução dos assassinatos.

PS - Coloquei no site uma série de matérias sobre o futuro do emprego na região metropolitana de São Paulo e os novos cursos, refletindo a sofisticação do mercado de trabalho. Apenas um exemplo é a profissionalização do "vitrinista", pessoa especializada em montar vitrines.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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