HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
urbanidade
07/01/2004

Ela só queria andar de bicicleta

Movida pelo espírito das resoluções de vida saudável típicas das festas de dezembro, a atriz e dançarina Flávia Mariotto, de 42 anos, comprou uma bicicleta para ir de casa ao trabalho. Mas, para ela, 2004 começou com uma má notícia. As obras da Rebouças no cruzamento com a Brigadeiro Faria Lima, iniciadas nesta semana, fizeram desse inofensivo projeto um esporte radical.

Como mora em Moema e trabalha na Sampaio Vidal, pacata rua do Jardim Paulistano, Flávia poderia fazer uma trilha por ruas sossegadas e arborizadas, passando por praças bem-cuidadas, resquícios do desenho de cidades-jardins trazido pelos ingleses no século passado.

Além de queimar eventuais excessos de calorias, a bicicleta combinaria com o cenário de trabalho de Flávia -é uma das donas da Mercearia do Conde, restaurante com ar provinciano.

O restaurante nem era para ser restaurante. "Só queríamos ter uma mercearia, dessas que vemos em cidades de interior vendendo tudo", lembra Flávia. Mas as pessoas começaram a comer sanduíches no balcão. Depois vieram as tortas e as saladas. Para evitar tanta aglomeração, improvisaram-se algumas mesas. Com o tempo, saíram os alimentos e foram penduradas centenas de peças de artesanato brasileiro, fragmento estético do clima de mercearia.

A própria Sampaio Vidal, com pequenos sobrados sem muros, lembra uma paisagem interiorana, apesar de estar no coração do Jardim Paulistano, prensada entre a Rebouças, a Faria Lima e a Gabriel Monteiro da Silva. "Estou com medo de que esse sonho esteja ameaçado", lamenta.

Com as obras na Rebouças, parte do trânsito começou, no domingo, a ser desviado para a Sampaio Vidal -onde, aliás, mora Eduardo Suplicy, ex-marido da prefeita-, trazendo barulho e agitação. "Dizem que a obra vai durar um ano. Mas quem pode garantir?", pergunta Flávia, sem saber como reagirá sua clientela, uma tribo variada que compreende de chefes de família acompanhados de mulher e filhos, passando por adolescentes, a artistas e descolados.

Sabe-se que resoluções de final de ano começam geralmente vigorosas em dezembro e perdem força em janeiro até virarem lembrança nas próximas festas. Parece ser o destino das prometidas pedaladas de Flávia, mas, desta vez, com um bom motivo. A pacata rua a que ela chegaria montada em sua silenciosa bicicleta virou mais uma rua tragicamente típica de São Paulo, onde os carros é que mandam.



Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
05/01/2004 Deu no "The New York Times"
04/01/2004
Lições da rua
31/12/2003 Feliz São Paulo novo
29/12/2003 A irresponsabilidade é fértil
28/12/2003 Lula foi bem
24/12/2003 Vila Maria entra na vanguarda
22/12/2003 Lula dá aulas para o Brasil
21/12/2003 A verdadeira herança maldita
17/12/2003 Galpão da moda
17/12/2003 Guerra civil não declarada