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REFLEXÃO


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Folha de s. paulo
08/02/2004

A luz no fim do túnel é uma chama de gás?

Há uma boa notícia para os que disputarão as eleições municipais: os candidatos podem anunciar que as tarifas de ônibus vão melhorar. E não serão acusados de fazer demagogia ou de vender promessas mirabolantes.

Não há um único técnico especializado em energia, desses acostumados a ver apenas números e planilhas, que discorde da idéia de que é possível, a partir de agora, reduzir os preços dos combustíveis para as empresas de ônibus. Já começou a sair do papel uma experiência para segurar o preço dos combustíveis dos ônibus, reduzir a poluição e, ainda por cima, economizar dólares enviados ao exterior.

A Petrobras decidiu estimular a produção de ônibus movidos a gás e está fazendo uma oferta tentadora: quem aderir ao programa, adaptando-se a essa fonte de energia, vai gastar menos dinheiro com o combustível. O proprietário da frota terá a garantia, por dez anos, de que pagará pelo gás cerca da metade do que o despendido com óleo diesel. De quebra, economizam-se dólares; o diesel, afinal, é importado.

São Paulo é a primeira cidade beneficiada pela oferta, a ser estendida ainda neste ano a municípios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Perspectiva de redução das tarifas de ônibus é apenas um detalhe a indicar que existe, no Brasil, uma luz (no caso, uma chama) no fim do túnel para o crescimento econômico. E essa luz pode ser gerada pelo gás.

Apenas um limitado grupo de técnicos, empresários e jornalistas se deu conta de que, com a descoberta da imensa jazida de gás em Santos (SP), que triplicou as reservas brasileiras, surgiu uma oportunidade para a geração de empregos em escala nacional, sustentada por uma energia abundante e barata.

De olho nesse mercado, estuda-se lançar, ainda neste ano, veículos movidos a gás com o motor saído de fábrica; o motor deve servir também para álcool e gasolina. Os motoristas de táxi perceberam há muito tempo a economia que representa o gás e têm adaptado, nas oficinas, o motor de seus carros ao novo sistema. É óbvio que os demais motoristas serão atraídos por automóveis devidamente fabricados para o uso de energia mais barata e menos poluente.

Mais importante do que o impacto no transporte individual e coletivo será o barateamento dos custos das empresas, o que pode representar mais investimentos.
Maior utilização de gás significa, além de menos poluição, mais exportação (é possível vender para fora o petróleo nacional) e menos importação. O diesel, por exemplo, representa remessa de dólares.

Por essas e por outras (por exemplo, atrair empresas que usam o gás como matéria-prima), há quem diga que essa reserva de Santos vai estar para o Brasil como a descoberta de petróleo do mar do Norte esteve para a Inglaterra. Segundo as estimativas oficiais, seria possível fornecer 55 milhões de metros cúbicos por dia durante 30 anos; o Brasil consome, diariamente, 28 milhões de metros cúbicos.

Aposta-se até que o papel desempenhado, no passado, pelo café na economia paulista venha a ser reproduzido, no futuro, pelo gás. Além do impulso econômico, seriam pagos royalties ao Estado de São Paulo pela exploração. Delírios? Talvez.

Mas muita gente serena parece seduzida pelos efeitos do gás. O deputado e ex-ministro Delfim Netto refere-se à jazida como o "santo gás de Santos". O governador Geraldo Alckmin fala em novo ciclo de desenvolvimento -opinião compartilhada pela direção da Fiesp.

Consultores internacionais estão recomendando a empresas estrangeiras que aproveitem a oportunidade e instalem no Brasil fábricas para a produção de turbinas movidas a gás. Documentos dessas consultorias propõem até mesmo a localização que imaginam ideal: bolsões abandonados da zona leste da cidade de São Paulo, antes sedes de indústrias. Já existem obras em andamento para ligar o porto de Santos ao aeroporto internacional de Guarulhos, passando por esses bolsões.

Até agora, não se sabe de onde vão sair os recursos para extrair as reservas de gás de Santos. Afinal, não se está falando de pouco: calcula-se que as obras custem até R$ 9 bilhões.

Seria menos difícil se houvesse regras claras, estáveis, para que investidores estrangeiros e nacionais pusessem dinheiro em obras de infra-estrutura -essas regras estão em debate no Congresso.

Casos como esse é que vão medir até onde vai o sentido de urgência dos políticos, a começar do presidente Lula, quando falam em geração de empregos.

PS - Por falar em eleições municipais, José Serra fez muito bem em recusar disputar a Prefeitura de São Paulo. Mesmo que ele vencesse, seria ruim para a cidade. São Paulo já tem problemas demais para ter um prefeito sem vontade de ser prefeito, considerando que tal cargo é pouco para seu currículo. É muita ingenuidade esperar que a cidade seja encarada não como um trampolim, mas como ponto de chegada? Marta Suplicy tem, é claro, todo o direito de ser candidata a governador em 2006, mas terá de informar rapidamente, e com toda a transparência, se vai ficar até o fim do mandato caso seja reeleita.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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