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Não existe registro de um governante
brasileiro que tenha falado tanto publicamente de sua mãe
como Lula. As referências a Lindu tornaram-se ainda mais freqüentes
nas últimas semanas, entremeadas nos discursos presidenciais
sobre as denúncias de corrupção que envolvem o governo.
Lula diz vir da herança materna sua valorização da educação,
da ética e até da perseverança. Na quinta-feira passada, no
Piauí, chorou ao falar que, graças a Lindu, teria aprendido
a nunca perder a esperança, por maiores que fossem as dificuldades.
"Não tinha jeito de você ver a minha mãe sentar numa mesa,
mesmo quando não tinha o que comer, e perder a esperança."
Talvez as referências sejam orientadas por um cálculo de marketing
para garantir a identidade com os mais pobres. Talvez até,
quem sabe, a fragilidade psicológica de Lula atraia a lembrança
da protetora figura materna.
Seja qual for a motivação, Lula está assumindo uma pregação
inédita para um presidente brasileiro, mostrando aos mais
pobres o papel da família -no caso a mãe- como núcleo educacional.
Essa pregação tem um valor didático interessante e vem sendo
cada vez mais explicada não só em palavras mas em números.
Nunca o Brasil dispôs, como agora, de estudos tão detalhados
sobre o papel da família na vida escolar. Pesquisas divulgadas
neste ano revelam que basta os pais se mostrarem atentos ao
que o filho faz ou deixa de fazer em sala de aula para aparecerem
efeitos positivos. Não estou falando aqui em ajudar na lição
de casa, mas apenas na atenção.
Um exame (Saresp) realizado com cerca de 5 milhões de alunos
de escolas municipais, estaduais e privadas de São Paulo,
cujos resultados foram divulgados no mês passado, indica que,
quanto mais omisso é o pai ou a mãe, pior o desempenho do
aluno.
Em todo o país, 6.204 escolas ficam abertas no fim de semana,
nas quais se promovem atividades alunos e familiares. A tendência
é geral: queda da violência. Afinal, cria-se uma sensação
de propriedade e de respeito associada ao ambiente educacional.
Em dois anos desse programa em São Paulo, onde 5.306 participam
do Escola da Família, segundo avaliações externas, a incidência
de agressões físicas caiu 46,5%; 57% foi a queda de homicídios;
39,5% de depredações ao patrimônio (pichações, por exemplo).
Em 2.102 escolas em que, além de estarem abertas nos finais
de semana, lançaram-se programas de protagonismo juvenil,
estimulando jovens a desenvolverem projetos em seu bairro,
a queda do número de delinqüências ainda foi mais profunda.
Diminuíram especialmente as ameaças e agressões feitas por
alunos a professores e funcionários. A Fundação Seade prepara
um estudo, a partir desses dados, mostrando que, além da queda
da violência, melhora a nota e a taxa de evasão dos alunos.
Compreensível: afinal, são ofertadas atividades extracurriculares,
envolvendo 28 mil monitores universitários. Esse tipo de interação
produz cenas mágicas. Em Taboão da Serra, na região metropolitana
de São Paulo, professores ganham bônus se visitarem a casa
das famílias de seus alunos.
No começo, os professores demonstraram resistência, receosos
de caminhar pelas ruelas de favelas ou bairros pobres, marcados
pela violência. Viram-se, então, escoltados pelos alunos,
que lhes garantiam salvo-conduto. Em cada casa, havia um clima
de recepção cerimoniosa: todos vestidos com roupas limpas,
banho tomado, a mesa repleta de doces, bolos e salgados. Os
receios se desfizeram. Os pais e os filhos, sentindo-se respeitados,
deram os mais diferentes sinais de valorização da escola.
Resultado: o professor, além de conhecer melhor seu aluno
-e assim consegue resolver ou evitar problemas- se vê mais
apoiado pela família e, de quebra, ainda tem um aumento no
salário. Esses números e fatos indicam que a educação não
deveria ser sinônimo de sala de aula -essa é a tradução medíocre,
atrasada e inútil de encarar a transmissão de conhecimento.
Educação integral é, em essência, a química que se produz
na conjunção de família, comunidade e escola.
Daí que começa surgir, neste ano, uma experiência, envolvendo
universidades como USP e Unicamp na formação de diretores
de escolas e professores em educação comunitária -ou seja,
aprenderão técnicas para envolver as famílias, o bairro e
a cidade nas escolas. Passa-se a valorizar no magistério a
função do educador como um empreendedor comunitário, capaz
de fazer as mais diversas alianças em sua rua, seu bairro
e sua cidade, aproveitando de um químico ou físico aposentados,
passando pelos médicos, até os espaços culturais e esportivos,
muitos dos quais pouco utilizados durante a semana. Há uma
série de indivíduos e entidades que só não ajudam porque não
são chamados ou não sabem como quem conversar na escola. Bastou
lançar o "Escola da Família", em São Paulo, para aparecerem
40 mil voluntários.
Ao citar tanto a mãe, Lula está trazendo, involuntariamente,
ao debate o papel da família na educação -a primeira etapa
de formação do capital humano.
Violência
cai 40% com a abertura das escolas nos fins de semana
Leia
a relação entre atividades/investimento e participações
do Escola da Família
Programa
"São Paulo é uma Escola"
Centro
de São Paulo educa professores da rede municipal
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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