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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
08/08/2005
Lula é a mãe

Não existe registro de um governante brasileiro que tenha falado tanto publicamente de sua mãe como Lula. As referências a Lindu tornaram-se ainda mais freqüentes nas últimas semanas, entremeadas nos discursos presidenciais sobre as denúncias de corrupção que envolvem o governo.

Lula diz vir da herança materna sua valorização da educação, da ética e até da perseverança. Na quinta-feira passada, no Piauí, chorou ao falar que, graças a Lindu, teria aprendido a nunca perder a esperança, por maiores que fossem as dificuldades. "Não tinha jeito de você ver a minha mãe sentar numa mesa, mesmo quando não tinha o que comer, e perder a esperança." Talvez as referências sejam orientadas por um cálculo de marketing para garantir a identidade com os mais pobres. Talvez até, quem sabe, a fragilidade psicológica de Lula atraia a lembrança da protetora figura materna.

Seja qual for a motivação, Lula está assumindo uma pregação inédita para um presidente brasileiro, mostrando aos mais pobres o papel da família -no caso a mãe- como núcleo educacional. Essa pregação tem um valor didático interessante e vem sendo cada vez mais explicada não só em palavras mas em números. Nunca o Brasil dispôs, como agora, de estudos tão detalhados sobre o papel da família na vida escolar. Pesquisas divulgadas neste ano revelam que basta os pais se mostrarem atentos ao que o filho faz ou deixa de fazer em sala de aula para aparecerem efeitos positivos. Não estou falando aqui em ajudar na lição de casa, mas apenas na atenção.

Um exame (Saresp) realizado com cerca de 5 milhões de alunos de escolas municipais, estaduais e privadas de São Paulo, cujos resultados foram divulgados no mês passado, indica que, quanto mais omisso é o pai ou a mãe, pior o desempenho do aluno.

Em todo o país, 6.204 escolas ficam abertas no fim de semana, nas quais se promovem atividades alunos e familiares. A tendência é geral: queda da violência. Afinal, cria-se uma sensação de propriedade e de respeito associada ao ambiente educacional.

Em dois anos desse programa em São Paulo, onde 5.306 participam do Escola da Família, segundo avaliações externas, a incidência de agressões físicas caiu 46,5%; 57% foi a queda de homicídios; 39,5% de depredações ao patrimônio (pichações, por exemplo).

Em 2.102 escolas em que, além de estarem abertas nos finais de semana, lançaram-se programas de protagonismo juvenil, estimulando jovens a desenvolverem projetos em seu bairro, a queda do número de delinqüências ainda foi mais profunda. Diminuíram especialmente as ameaças e agressões feitas por alunos a professores e funcionários. A Fundação Seade prepara um estudo, a partir desses dados, mostrando que, além da queda da violência, melhora a nota e a taxa de evasão dos alunos.

Compreensível: afinal, são ofertadas atividades extracurriculares, envolvendo 28 mil monitores universitários. Esse tipo de interação produz cenas mágicas. Em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, professores ganham bônus se visitarem a casa das famílias de seus alunos.

No começo, os professores demonstraram resistência, receosos de caminhar pelas ruelas de favelas ou bairros pobres, marcados pela violência. Viram-se, então, escoltados pelos alunos, que lhes garantiam salvo-conduto. Em cada casa, havia um clima de recepção cerimoniosa: todos vestidos com roupas limpas, banho tomado, a mesa repleta de doces, bolos e salgados. Os receios se desfizeram. Os pais e os filhos, sentindo-se respeitados, deram os mais diferentes sinais de valorização da escola.

Resultado: o professor, além de conhecer melhor seu aluno -e assim consegue resolver ou evitar problemas- se vê mais apoiado pela família e, de quebra, ainda tem um aumento no salário. Esses números e fatos indicam que a educação não deveria ser sinônimo de sala de aula -essa é a tradução medíocre, atrasada e inútil de encarar a transmissão de conhecimento. Educação integral é, em essência, a química que se produz na conjunção de família, comunidade e escola.

Daí que começa surgir, neste ano, uma experiência, envolvendo universidades como USP e Unicamp na formação de diretores de escolas e professores em educação comunitária -ou seja, aprenderão técnicas para envolver as famílias, o bairro e a cidade nas escolas. Passa-se a valorizar no magistério a função do educador como um empreendedor comunitário, capaz de fazer as mais diversas alianças em sua rua, seu bairro e sua cidade, aproveitando de um químico ou físico aposentados, passando pelos médicos, até os espaços culturais e esportivos, muitos dos quais pouco utilizados durante a semana. Há uma série de indivíduos e entidades que só não ajudam porque não são chamados ou não sabem como quem conversar na escola. Bastou lançar o "Escola da Família", em São Paulo, para aparecerem 40 mil voluntários.

Ao citar tanto a mãe, Lula está trazendo, involuntariamente, ao debate o papel da família na educação -a primeira etapa de formação do capital humano.

Violência cai 40% com a abertura das escolas nos fins de semana
Leia a relação entre atividades/investimento e participações do Escola da Família
Programa "São Paulo é uma Escola"
Centro de São Paulo educa professores da rede municipal

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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