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REFLEXÃO


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urbanidade
14/06/2006
Lugar de criança é na rua

Quando museus, parques, salas de concerto e até circos se tornam salas de aula, o ensino faz mais sentido

Quando era menina, em São José dos Campos, Olga Arruda tinha o hábito de transformar a rua em extensão de sua casa.

Gostava de ficar conversando com as amigas embaixo de alguma árvore, promovia jogos e batizados de bonecas, levadas em romaria para a bênção do padre. "A rua era um misto do meu quarto com sala de aula." Ela está agora, muito tempo depois dessas brincadeiras, reproduzindo na cidade de São Paulo, em maior escala, aquela vivência interiorana. Desde o ano passado, ocupou, por exemplo, um cemitério para levar crianças. "Cemitério é um bom lugar para aprender história."

Olga cursou pedagogia, deixou o interior e se tornou professora de escola pública na periferia de São Paulo. "Toda a minha carreira se deu dentro da sala de aula. Eu via como os alunos se sentiam desestimulados diante daquelas matérias que pouco faziam sentido na vida deles."

Em 2005, ela estava no núcleo educacional da Subprefeitura da Sé, dirigida por Andrea Matarazzo, quando foi convidada a fazer uma experiência que a remeteu às suas brincadeiras de infância -colocar os alunos na rua. "Estávamos cercados de maravilhosos espaços que não eram usados pelos estudantes nem pelos professores."

Espalhados pela região central, esses espaços eram os teatros, museus, salas de concerto, parques e até circos. Com a ajuda da iniciativa privada e em parceria com os diretores e professores das escolas municipais, descobriram-se trilhas para que os alunos apreciassem canto gregoriano no Colégio São Bento, ópera no Teatro Municipal, exposições no Centro Cultural Banco do Brasil e na Pinacoteca, além de concertos da Sala São Paulo. Um dos pontos dessa trilha era o Cemitério da Consolação, onde aprenderiam história -lá estão enterradas personalidades como Monteiro Lobato, Mário de Andrade e a marquesa de Santos.

Os alunos passaram a levar os pais às mesmas atividades culturais. As trilhas se expandiram para o Mercado Municipal (espaço de aprendizagem sobre história e alimentação) e aos rios e parques das redondezas, para uma discussão sobre meio ambiente. Trafegaram pelo rio Tietê. A experiência ia crescendo à medida que se descobriam novas trilhas -hospitais e médicos do entorno se dispuseram a ajudar a cuidar da saúde dos estudantes. "Temos muitas coisas ao lado das escolas e não fazemos a menor idéia delas."

Desde a semana passada, essa trilha localizada no centro começou a se expandir pela cidade. Olga foi convidada a criar, em cada subprefeitura, um núcleo de articulação para aproximar as escolas da comunidade, mapeando as suas possibilidades. "Não se quer contratar nem alugar nem construir, apenas ver o que já está disponível."

Uma das idéias é fazer com que os alunos possam ir ao cinema, após a escola, pagando um preço especial; os professores discutiriam depois o filme em sala de aula. Patrocinador do Belas Artes, o HSBC já demonstrou simpatia em receber os estudantes e preparar os professores.

Se é possível dar vida a um cemitério e fazê-lo uma sala de aula, imagine, então, aposta Olga, fazer do cinema uma extensão da escola. Ela sabia, antes de virar professora, que brincar é um bom jeito de aprender.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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