Pesquidador
das raízes do samba paulista, Renato Dias resolveu
estudar, na Universidade de São Paulo, tupi-guarani
apenas para compor letras de rap -daí nasceu o primeiro
rap numa língua indígena de que se tem notícia.
Voltou para a escola, agora como professor. De novo, com uma
mistura inusual: samba com filosofia. "Nunca tive uma
plateia tão atenta", orgulha-se ele. A mistura
surgiu de uma notícia ruim, capaz de compor uma daquelas
violentas letras de rap.
Agonizando numa longa crise, uma escola pública estava
com data marcada para fechar as portas por falta de aluno.
Renato imaginou que, talvez, aquilo pudesse acabar em samba
-e acabou. Só não imaginou que daria tanto samba
que o faria se transformar em professor. "Descobri um
novo prazer na vida." Sem saber, iria fazer uma invenção
em meio ao batuque.
Junto com André Luiz de Albuquerque Silva (Mestre Pio),
Renato se dispôs a dar aulas sobre a história
do samba naquela escola (Carlos Maximiliano), vizinha à
estação Vila Madalena do metrô.
Ambos integram o grupo Kolombo, que pesquisa os ritmos africanos
em São Paulo e, por isso, estão conectados com
compositores de samba das escolas paulistanas, especialmente
os da velha guarda.
As letras das músicas provocavam, muitas vezes, reflexões
durante as aulas. "O samba fala de todos os problemas
que atingem aqueles estudantes", conta Mestre Pio, criado
no bairro do Limão, cercado de cinco tradicionais escolas
de samba. "Já nasci com um pandeiro na mão."
Decidiram experimentar a leitura de textos de filosofia, em
meio a uma aula em que mostraram "Ronda", de Paulo
Vanzolini, uma das mais exóticas misturas paulistanas
-sambista, boêmio e zoólogo formado em Harvard.
Deu certo. Desde então, sempre que existe uma brecha,
eles leem o texto de um filósofo; "Ronda",
por exemplo, foi acoplada a um trecho de um livro de Nietzsche.
Por causa de um mutirão comunitário, a escola
não fechou e já tem fila de espera -inovações
geradas ali, como o uso das salas vazias à noite para
ensino técnico, estão sendo replicadas pelo
governo estadual em mais 115 escolas. O que eles descobriram,
diante do olhar atento das crianças, é que filosofia
-agora matéria obrigatória nas escolas brasileiras-
dá samba.
O esforço da dupla será reconhecido publicamente.
O Metrô decidiu homenagear, durante a entrega de novos
trens, comunidades e os personagens que fazem a diferença
na cidade. Renato Dias e Mestre Pio, que ajudaram a salvar
uma escola pública, serão homenageados.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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