REFLEXÃO


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folha de s.paulo
21/07/2008

O Brasil inventado no banheiro

Jovem desenvolveu sensores que, aplicados no chuveiro e no vaso sanitário, contribuem com a economia de água


Leandro Costa Santos, 18, aplicou seus conhecimentos de robótica na invenção de um banheiro inteligente. Durante dois meses, ele desenvolveu sensores que, aplicados no chuveiro, na pia e no vaso sanitário, contribuem para reduzir o gasto de água -o chuveiro é capaz de detectar se existe alguém tomando banho e de informar por quanto tempo a pessoa permaneceu sob a água corrente, uma estratégia para conscientizar o perdulário ecológico. Não é preciso fechar a torneira da pia com as mãos.

O projeto foi premiado numa feira de ciências, mas a grande invenção mesmo é o próprio Leandro -um estudante de escola pública no Nordeste. Por trás do banheiro ecologicamente correto, há um tipo de experiência capaz de inventar Leandros.

Leandro estuda na escola estadual Cícero Dias, em Pernambuco, onde, graças a uma parceria entre acadêmicos, empresários e inventores de software, foi implantada uma fábrica de jogos digitais. O projeto vem na esteira do Porto Digital, uma iniciativa que, num bairro abandonado do Recife, fez surgir uma imensa incubadora de tecnologias, que atende encomendas de várias partes do mundo.

Do Recife, esse modelo migrou, neste ano, para uma escola pública do Rio de Janeiro, batizada de Nave (Núcleo Avançado de Educação) e instalada numa antiga central telefônica analógica, totalmente reformada. Se eu não soubesse onde estava entrando, talvez imaginasse que aquelas fossem as instalações de uma agência de publicidade, de um escritório de design, de um laboratório de telecomunicação ou de um museu de artes visuais -ou, quem sabe, pensasse ser uma montagem de escritório da Casa Cor.

A movimentação dos adolescentes num imenso saguão, repleto de televisores digitais e de telas de computadores, dá ao visitante a pista de que, em algum lugar, pode encontrar salas de aula, embora não se vejam sinais de arquitetura escolar.
Foi nesse ambiente que um grupo de professores, com salário médio de R$ 1.200 mensais, se transformou, ao mesmo tempo, em inventores, cobaias e alunos.

O Nave é resultado, como em Pernambuco, de uma gestão compartilhada entre o governo estadual e um instituto de uma empresa privada (a Oi Futuro) -o desafio já nasce na gestão, sempre dependendo dos humores oficiais ou mesmo empresariais. Em torno dessa dobradinha, juntaram-se várias entidades, como a Unesco e a PUC, além de empresas produtoras de mídia e de software.

A idéia é que, além das matérias regulares, os alunos respirem a cultura digital, isto é, sejam treinados para trabalhar com a programação de jogos, com a criação de conteúdos para a TV Digital, com o desenvolvimento de roteiros interativos e com a manipulação de som e imagem.

Um dos idealizadores da fábrica de jogos, Silvio Meira, que é engenheiro aeronáutico formado pelo ITA e um dos criadores também do Porto Digital, admira-se ao ver como os jovens aprendem rapidamente noções de física e matemática brincando ou produzindo jogos: "Vejo jovens entendendo, sem dificuldade, as leis de Newton. E com muita rapidez".

O que está em jogo é como preparar os jovens, desenvolver suas habilidades e assegurar o crescimento do país. Essa união do poder público com a academia e as empresas vem produzindo alguns laboratórios -isso porque sabem, por estarem conectados com a realidade, a inutilidade dos currículos.

O Colégio Engenheiro Juarez Wanderley, criado pela Embraer, já vinha oferecendo aos estudantes programas de pré-engenharia e de pré-administração, de olho no perfil dos engenheiros e administradores do futuro. Esse tipo de perfil levou, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, a permitir que o estudante ganhasse, em menos tempo e simultaneamente, os diplomas de administrador e de advogado.

A partir deste ano, o colégio, graças a uma parceria com o Instituto de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, vai ajudar os alunos na compreensão da vida em sua diversidade -e, assim, eles estarão mais preparados para seguir as carreiras de médico, biomédico, enfermeiro, nutricionista ou fisioterapeuta.

O banheiro inventado por Leandro numa escola pública -aliás, os banheiros das escolas públicas costumam ser os locais onde se expressa uma espécie de síntese da selvageria- é um sinal de como se reinventa um país pela inteligência.
Se esses projetos sobreviverem (e temos de esperar para ver) e se puderem sistematizar e difundir suas descobertas, estaremos mais próximos de ser um país que desenvolve aviões do que de ser um país que produz desempregados.

PS - Detalhei neste link as experiências citadas nesta coluna -a começar do inovador banheiro inteligente.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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