REFLEXÃO


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folha de s.paulo
03/03/2008

Nasce uma nova habilidade profissional

É consenso que a fragmentação de dinheiro público é sinônimo de baixa eficiência e desperdício

Imagine a Embraer, a Vale, a Petrobras e a Microsoft juntas num único espaço fazendo invenções com centenas de cientistas formados nas melhores faculdades e centros de pesquisa do mundo. Imagine também as invenções transformadas rapidamente em muito dinheiro na forma de peças para aviação, softwares, sondas com materiais mais resistentes para perfuração de petróleo, novos sistemas de geração de energia e até produtos de biotecnologia.

É exatamente o que está se concentrando num terreno de 1 milhão de metros quadrados -pouco menor que o do parque Ibirapuera- em São José dos Campos (91 km de São Paulo).

A dimensão do projeto pode ser sentida pelo anúncio, na semana passada, da Universidade Federal de São Paulo, de que vai instalar ali um campus para aproximar pesquisadores da área de biologia de engenheiros do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), de olho no próspero campo da biotecnologia. Por trás dessa invenção de parcerias para pesquisas tão complexas, começa a surgir uma nova habilidade: aquela do administrador de arranjos sociais.

Tudo começa porque a Prefeitura de São José dos Campos comprou um terreno onde havia uma fábrica abandonada e saiu à procura de empresas e cientistas para montar um parque tecnológico. Obteve a adesão imediata de duas marcas carimbadas da cidade. Interessada na produção de novos materiais para seus aviões, a Embraer resolveu se instalar no prédio com engenheiros designados pelo ITA.

Com o tempo, foram se juntando as mais diversas entidades federais, estaduais e municipais para a inovação tecnológica, do BNDES ao IPT, para financiar a pesquisa, preparar mão-de-obra qualificada e transformar as invenções em produtos. Para acompanhar essa sofisticação, porém, a cidade vê-se obrigada a aprimorar o ensino público, especialmente na área de ciências.

É essa montagem de redes tão complexas que vai gerando nova habilidade profissional e demanda de sistematização de conhecimento. Formação de redes é matéria obrigatória nas aulas sobre terceiro setor e políticas públicas. Na semana passada, a Unicamp lançou um curso batizado de "arquitetura comunitária", aberto a qualquer graduado, destinado a formar gestores capazes de criar elos, na cidade, a começar do bairro, entre profissionais de saúde, educação, cultura, assistência social, patrimônio histórico, geração de renda, lazer e esporte.

É consenso que a fragmentação de dinheiro público é sinônimo de baixa eficiência e de desperdício, tamanha é a superposição de ações e a falta de foco. Falar é fácil, difícil é resolver o problema justamente pela falta de especialistas em montagem de redes.

Essa complexidade poderia ser vista, na semana passada, num encontro em Brasília, no qual se reuniram representantes de oito ministérios e gestores educacionais de diversas cidades brasileiras. O governo federal articulando, desde o ano passado, a união de seus programas em torno das escolas metropolitanas para, ao mesmo tempo, ampliar a oferta educacional aos alunos e propiciar aumento da jornada. Programas de xadrez, computação e basquete, entre centenas de outros, bancados com verbas federais, formariam uma malha oferecida como prolongamento das escolas.

O problema é que as centenas de programas federais devem se articular com os estaduais e municipais. Levem-se em conta a interrupção de políticas públicas por causa de mudanças de ministros ou secretários, a dificuldade de acertos entre diversos níveis de governo (e mesmo dentro de um mesmo governo), além da baixa qualificação de servidores públicos, em especial nos municípios, para se ter uma idéia dos obstáculos.

Aquele mesmo encontro, em Brasília, mostrou, entretanto, com casos concretos, que, quando se consegue superar ou amenizar tais barreiras, se gasta menos e se produz mais. Consegue-se com pouco dinheiro oferecer ampliação da jornada escolar e atividades extracurriculares. Apenas juntando educação e saúde há redução expressiva dos alunos com dificuldades de aprendizagem.

Além do debate que colocou em atrito o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a Justiça sobre projetos em anos eleitorais, o programa federal lançado na semana passada, chamado Territórios da Cidadania, de focar nas cidades mais pobres recursos dispersos nos ministérios depende mais da engenhosidade local que da vontade de Brasília.

Como mostra a experiência de São José dos Campos, a gestão desses arranjos significa dinheiro no bolso. Lá, a prefeitura gastou R$ 30 milhões para a compra do terreno. Os investimentos previstos no parque tecnológico, bancados pelas empresas, são de R$ 350 milhões, sem contar os impostos com a atração e a criação de novas empresas.

PS - Coloquei no site o detalhamento da experiência de São José dos Campos. É simplesmente inacreditável que a cidade de São Paulo, que tem uma das mais renomadas universidades do mundo, não tenha seu parque tecnológico voltado aos serviços.

 

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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