REFLEXÃO


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urbanidade
23/07/2008

Uma vida em quadrinhos

Gualberto Costa abriu, na praça Roosevelt, uma livraria especializada em HQs que funciona até de madrugada


Há sete meses, Gualberto Costa resolveu se aventurar e colocar suas poucas economias num inusitado negócio: uma livraria especializada em histórias em quadrinhos, na praça Roosevelt, aberta durante a madrugada. O horário de funcionamento adaptou-se ao dos freqüentadores da praça, uma tribo que aprecia a boêmia combinada com o teatro alternativo, circulando em meio aos travestis, drogados, mendigos e prostitutas.

"Sempre tive o projeto de criar um lugar que cultuasse o universo das histórias em quadrinhos", conta Gualberto, um dos idealizadores do principal prêmio brasileiro para essa modalidade de arte gráfica, o HQ MIX, cuja entrega ocorre hoje.

Provavelmente, se tivesse feito um "business plan" para seu empreendimento, ele não receberia muito estímulo. Se já é difícil manter uma livraria num país de iletrados, imagine então num local como a praça Roosevelt, cuja clientela que consome alguma cultura só anda por ali de madrugada (nem sempre sobriamente), mudando a paisagem do começo da rua Augusta.

Ele próprio seria um interessante personagem de quadrinhos. No começo da década de 1970, prestou vestibular para engenharia e arquitetura no Mackenzie. Estava convencido de que deveria fazer, ao mesmo tempo, os dois cursos, que lhe pareciam complementares.

No intervalo entre os dois vestibulares, comprou uma revista alternativa de artes gráficas ("O Balão") e leu uma matéria sobre cartunistas e autores de HQs -alguns deles, informava o texto, estudantes do Mackenzie. Local da leitura: praça Roosevelt. "Foi nesse lugar, lendo a revista, que comecei a imaginar minha vida de artista gráfico."

Naquele mesmo ano, Gualberto, sem nenhuma pretensão, tinha vencido um concurso de histórias em quadrinhos.

Os cursos foram concluídos, mas serviram apenas para levá-lo ao prazer da produção de HQs. Isso, no entanto, durou pouco tempo -ele logo desistira da profissão de desenhista. "Preferi ser um militante da arte a ser um artista."

Ele preferiu ser um animador cultural. Participou da fundação de salões de humor (como o de Piracicaba), liderou o movimento para a criação de um museu de artes gráficas (apesar de aprovado em decreto estadual, ficou no papel) e, enfim, idealizou o prêmio HQ MIX.

A movimentação provocada pelos teatros alternativos, trazidos pelo grupo Os Satyros, escrevia um roteiro da recuperação de uma cidade. Lendo ou conversando com antigos moradores, Gualberto sentiu-se tentado a quebrar o jejum de 15 anos e a escrever um livro cujo cenário é a praça Roosevelt, com seus antigos e novos personagens.

Gualberto ainda não sabe se tem um negócio para ganhar dinheiro, mas desconfia que talvez tenha um bom caso para contar -e, é claro, numa história em quadrinhos.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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