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além da culinária
15/09/2004

Mulheres usam rádios e internet para abordar temas da comunidade

As mulheres brasileiras estão cada vez mais invadindo a Internet e as rádios (comunitárias e comerciais) para mandar suas mensagens. E estão firmando presença. Nas ondas do ar e na rede da web, elas falam sobre educação, saúde reprodutiva, direitos femininos, relacionamentos e outras conversas que vão muito além de culinária e maternidade.

Combinar o potencial transformador do rádio e das novas tecnologias é exatamente o objetivo do projeto Cyberela, da ONG Cemina, que já formou cerca de 30 comunicadoras (as cyberelas) em todo o Brasil e prevê a instalação de telecentros – salas com acesso à Internet – para promover a conexão das mulheres com o mundo digital.

A inciativa será mais do que bem-vida. No Brasil, 73% da população feminina nunca trabalharam com computador e 30% ainda não sabem o que é a Internet, segundo uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em 2002.

Já o Fala Mulher se consolidou como um programa de rádio fundamental para que elas começassem a conquistar um espaço próprio nas emissoras. Com enfoque feminino, o programa começou a ser transmitido em 1989 na Rádio Guanabara, 1360 AM, no Rio de Janeiro. Em 2002, se tornou uma rádio virtual com arquivos sonoros disponíveis na Internet.

Nesse meio tempo, provocou o surgimento de programas similares em todo o Brasil, às vezes até com o mesmo nome. “A rádio é o melhor veículo para discutir os conflitos entre homens e mulheres”, acredita Silvana Lemos, coordenadora do projeto de rádio e inclusão digital do Cemina.

Dinheiro do próprio bolso
As cyberelas foram selecionadas a partir da atuação em projetos sociais e entre as participantes da Rede de Mulheres na Rádio para ocupar um lugar no cyberespaço. “São as Cinderelas do terceiro milênio”, explica Silvana

Graça Rocha, 48 anos, moradora de São Gonçalo, foi uma das comunicadoras selecionadas pelo projeto no estado do Rio de Janeiro. Lutando pela melhoria das condições de sua comunidade e envolvida com a rádio comunitária Novo Ar (105.9 FM) há mais de dez anos, ela usou a própria experiência para ajudar a mobilizar as ouvintes em prol de causas comuns. “Os homens saem e as mulheres ficam. São elas que se envolvem nas questões da comunidade”, analisa ela.

A Novo Ar sedia o projeto-piloto dos 18 telecentros que serão implantados em todo o Brasil. Navegar na Internet e trabalhar com programas como Word, Excel, Power Point já é possível para os moradores do município. São os jovens da comunidade que demonstram maior interesse e que freqüentam a rádio, mantida com a ajuda de cerca de 1600 sócios que contribuem mensalmente com cerca de 1% do salário mínimo.

“Cerca de 70% são mulheres e a maior parte é de jovens”, revela Graça. Ao dar acesso à rede com preços baixos, os telecentros têm sido procurados por pequenos empresários e estudantes, alguns vindos de Niterói. “Alunos da UFF (Universidade Federal Fluminense), que vivem em Niterói, têm vindo até aqui após a propaganda boca-a-boca iniciada por uma colega moradora de São Gonçalo”, conta Graciene Rocha, 24 anos, coordenadora de projetos da Novo Ar.

Biboca virtual
Em São Paulo, Raquel Quintiliano, 26 anos, e Cleide Ferreira, 28 anos, estão à frente da rádio Biboca, que transmite exclusivamente pela Internet. Há um ano, elas aprenderam a manipular os programas de áudio e decidiram criar a rádio virtual, ampliando o trabalho que já faziam com o programa Espaço Feminino.

“A gente queria fazer alguma coisa diferente que discutisse o papel da mulher e ampliasse a participação feminina no espaço digital”, contam. O nome escolhido para o batismo foi biboca, que significa um pequeno bar, um tanto precário, uma “quebrada” e também uma “ boca quente”. “Lembrava fala, boca, um lugar longe também”, explica Raquel, que morava na comunidade de Jardim Hedron, na Zona Norte, no lado oposto da cidade.

O passo seguinte foi dividir o conhecimento formando uma turma de repórteres comunitários atentos às questões da mulher. “No início, as pessoas achavam que não era necessário falar sobre as mulheres”, revela. Aos poucos, a turma mista de moradores das comunidades de Jardim Rosana, Capão Redondo e Jardim Angélica foi se dando conta de que violência contra mulher era muito mais do que agressão física.

Participação ativa
“Eles perceberam que falta de acesso a emprego e a educação são formas mais sutis de violência que tornam a presença da mulher invisível”, diz Raquel. Com a equipe formada e conscientizada, a rádio começou a produzir um conteúdo diferenciado. “Não somos uma rádio feminista. Procuramos focar a participação da mulher, dar visibilidade ao que estão fazendo”, avalia.

Sem criar conflitos nem “bater de frente” com os machões, a equipe começou um trabalho lento de convencimento das pessoas que começa com um exercício de linguagem. “Fazemos questão de falar para cidadãos e cidadãs, nunca generalizamos e usamos o plural masculino. Pode parecer bobagem. Mas é muito importante”, acredita.

Por ser uma rádio virtual, a reação dos ouvintes às matérias veiculadas é feita pelo boca-a-boca e as pessoas da comunidade que visitam a rádio não escondem a surpresa. “Somos uma rádio on line e isso ainda não foi muito bem assimilado, a expectativa é ver todos aqueles equipamentos e só temos computadores”, conta Raquel. A rádio funciona na sede da associação de moradores de Jardim Copacabana, na Zona Sul, e tem como principais ouvintes os usuários dos telecentros montados pela prefeitura.

Tema polêmico
Em Goiás, as cyberelas Geralda Ferraz e Divina Jordão produzem e apresentam os programas Voz da Mulher, na rádio universitária da Universidade Federal de Goiás (870 AM), e Palavra de Mulher, na Rádio Difusora (640 AM), uma emissora católica de Goiânia que ocupa os primeiros lugares em audiência.

Sexualidade, aborto, meio ambiente, educação, amamentação, mortalidade materna e homossexualismo feminino estão na pauta que vai ao ar nas emissoras comerciais. “Nosso programa tem sempre notícias, um quadro sobre direitos da mulher e uma entrevista que esteja em sintonia com o que está acontecendo e seja de interesse feminino”, explica Divina.

A participação do público varia de acordo com o tema do programa, normalmente, elas recebem cerca de 10 telefonemas. Entre os ouvintes estão muitas donas-de-casa, a maior parte moradora da periferia de Goiânia e de municípios do estado de Goiás. “Temas difíceis, como o homossexualismo feminino, provocaram um silêncio total em nossos telefones”, lamenta Divina.

O resultado do trabalho vai sendo sentido aos poucos, em pequenas transformações, nas diversas comunidades atingidas pelos programas de rádio. “No início, as mulheres tinham medo de falar. Achavam que uma emissora era uma coisa muito distante. Como íamos discutindo temas que tinham a ver com o dia a dia delas, aos poucos foram se aproximando e se apresentando para participar”, conta Graça, da Novo Ar.

Sempre que o assunto é algum problema cotidiano, é comum os programas ganharem um tom de desabafo, com a participação dos moradores da região por telefone. “Primeiro, as mulheres se descobrem através das experiências relatadas na rádio. Em seguida, elas mesmas querem falar”, analisa Graciene. Quando os moradores sentiram que a rádio era um espaço onde poderiam entrar despojadamente, de chinelos e bermudas, começaram a usá-la para expressar o que sentiam e até mesmo mandar recados apaixonados. "A participação dos ouvintes já rendeu até casamento", revela Graça.

Engajamento da comunidade
Márcia Bueno, 48 anos, moradora da comunidade de Raul Veiga, em São Gonçalo, apresenta o programa Mulher em Ação diariamente e já sentiu que para mexer com seu público tem que falar daquilo que está no cotidiano. “Sentimos que quando o tema é saúde a participação é imediata”, revela.

Márcia realiza entrevistas com médicas, advogadas e outras especialistas que possam esclarecer a população sobre assuntos importantes do momento. “Teve uma senhora que me parou na rua para agradecer, porque teve a impressão de que a entrevistada estava falando diretamente para ela”, conta Márcia, lembrando um programa em que uma médica advertia sobre os perigos da auto-medicação.

O engajamento da comunidade é fundamental para manter os programas e até mesmo a rádio no ar, como é o caso das comunitárias sempre ameaçadas pelas incursões da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações, órgão fiscalizador independente do governo. Em São Gonçalo, os moradores não permitiram que a Novo Ar fosse fechada impedindo a entrada da polícia.

“Conseguir a outorgação da rádio no Ministério das Comunicações é uma luta sem fim. Volta e meia somos ameaçados de fechar e de ser presos como bandidos", lamenta Graça, que teme as ações da Anatel. As restrições da lei federal que regulamenta as rádios comunitárias é um dos maiores obstáculos à ampliação e a estruturação do projeto Cyberela. “Muitas comunicadoras treinadas estão desarticuladas devido ao fechamento das rádios”, lamenta Silvana.

O objetivo das mulheres que propagam idéias no ar é conseguir benefícios para toda a comunidade. “Uma rádio promove ações de cidadania e estimula a participação das pessoas em problemas coletivos. O processo todo acontece através da emissora”, observa Divina, a partir de sua experiência em Goiânia.

A mobilização das pessoas em torno da Novo Ar, em São Gonçalo, resultou em conquistas expressivas como uma lei municipal que assegura o seu funcionamento e a criação de um conselho municipal de comunicação. “São Gonçalo já é um lugar melhor para se viver do que há dez anos, mas ainda temos muita briga pela frente”, conclui Graça.

Em Jardim Copacabana, Zona Sul de São Paulo, o trabalho comunitário de mulheres tem ganhado maior visibilidade e até mesmo a atitude dos jovens do hip hop em relação às mulheres tem sido questionada. “A mulherada percebeu que alguns termos machistas eram usados para retratá-las. Isto gerou um questionamento e um diálogo para entender de que maneira isso foi incorporado a nossa cultura”, revela Raquel. E aposta: "Compreender a desigualdade de oportunidades já é um passo. O outro, mais ousado, é conseguir fazer as mulheres ocuparem cargos de chefia e de destaque".

As informações são do site Viva Favela.

 
 
 

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