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entrevista
15/09/2004

Freira discute como garantir cidadania aos moradores de rua

As dificuldades enfrentadas pelos moradores de rua são bem familiares à freira paulista Regina Maria Manoel, que já dedicou metade de seus 54 anos à assistência social dessa população. Aos 25 anos, ela era funcionária da Secretaria de Promoção Social de Assis quando decidiu pedir exoneração e se mudar para São Paulo em busca de um trabalho social que estivesse integrado a uma mística religiosa. Na capital, conheceu a Organização de Auxílio Fraterno (OAF), entidade civil fundada em 1955 para dar assistência a pessoas em situação de risco. Hoje, ela é a coordenadora geral da OAF e membro do Fórum Nacional de Estudos de População de Rua.

No começo deste mês, a irmã Regina participou do 3o Festival Lixo e Cidadania, em Belo Horizonte, no qual se discutiu a inclusão social de catadores e de moradores de rua. Na ocasião, ela comentou o perfil dessa população e o que deve ser feito para que ela deixe de ser marginalizada, entre outros assuntos. O espancamento de 16 moradores de rua na região central de São Paulo e a morte de seis deles também foram lembrados.

Cidadania-e - Quantos moradores de rua existem hoje no Brasil?
Regina Maria Manoel -
Não temos um dado nacional. Há só uma perspectiva de São Paulo. No ano passado, a Fipe, ligada à USP, apurou que são cerca de 10.500 pessoas na cidade. É muita gente. A Fipe é credenciada para esse tipo de censo por ter desenvolvido uma metodologia desde a primeira pesquisa, em 1992. Mas no Brasil não há um levantamento, até porque não há política pública para essa população. O censo não a computa até por uma falha da metodologia para os que estão circulando nas cidades. É um grande fenômeno das grandes e médias cidades. Também não podemos fazer uma projeção por São Paulo porque ela não é parâmetro.

Cidadania-e - Não existe interesse em saber quantos são os moradores de rua?
Regina Maria Manoel - Essa foi uma grande solicitação que fizemos ao ministro Patrus Ananias ontem [dia 1o, na abertura do Festival]. Pedimos que, se não for o IBGE, que pelo menos algum outro órgão faça uma pesquisa. Ele prometeu nos atender. O que também reivindicamos é que o governo federal atenda a essa população em seus diferentes segmentos.

Cidadania-e - Embora o governo não saiba o tamanho desse problema, ele tem buscado enfrentá-lo?
Regina Maria Manoel - Da parte do governo federal, a ação pode ser mais institucional, via prefeituras. Mas, de maneira geral, não há comprometimento nesse sentido. Até porque não se sabe quem é essa população. Para ter uma política pública, o primeiro passo é saber quem são essas pessoas, em seus diferentes segmentos.

Cidadania-e - Qual é o perfil dos moradores de rua nas grandes cidades do Brasil?
Regina Maria Manoel - Há uma visão meio equivocada de que é bêbado ou desempregado ou maluco. Mas existem outros grupos. Temos os egressos da prisão; jovens egressos de instituições fechadas, sem preparo para o mundo do trabalho; os idosos e as mulheres. Nos últimos anos, temos visto crescer muito o número de mulheres na rua.

Cidadania-e - O que explica isso?
Regina Maria Manoel - O empobrecimento da população e uma desestruturação social. Quando há mulheres, crianças e idosos na rua, é sinal de uma chaga muito grande na sociedade. Esse fenômeno aponta a incapacidade de gerenciar o próprio país. Na rua, há uma gama muito extensa de moradores. Alguns chegaram muito recentemente. Outros, já estão integrados nesse universo. Em São Paulo, o fechamento da construção civil gerou um boom muito grande na rua. Muitos homens entre 30 e 50 anos ficaram sem casa porque moravam no alojamento. Fechadas as obras, ficaram sem ter onde viver. Não voltaram para casa até porque saíram há muito tempo. Também já conhecemos todo o processo migratório: essa questão de não manter as pessoas no campo, permitindo o inchamento das grandes cidades, o que passa pela falta de uma reforma agrária e de uma reforma urbana.

Cidadania-e - Em seus 27 anos trabalhando com moradores de rua, quais as mudanças que mais chamam a atenção?

Regina Maria Manoel - O aumento das mulheres, dos idosos e de egressos da construção civil. Toda essa luta antimanicomial também não foi amparada em sua necessidade de serviços de assistência para essas pessoas.

Cidadania-e - Como a senhora entrou na OAF?
Regina Maria Manoel
- Entrei num período de mudanças em que a OAF fechava a instituição e privilegiava a convivência e a organização a partir da rua. Íamos até a rua, debaixo do viaduto, distribuir sopa feita com sobras da feira ou, aos domingos, conversar sobre a vida, celebrar um pouco a fé. A partir daí criamos grupos e depois trabalhamos com os catadores. Reuníamos as pessoas da rua e buscávamos soluções a partir do que elas vivem. Em 1980, desenvolvemos um centro comunitário onde elas iam tomar banho, fazer programas culturais, como teatro, discutir a vida, fazer documentação, ocupar casas desocupadas. Em 1990, houve preocupação do poder público em atender essa população em São Paulo e foram criadas casas de convivência. Nós colaboramos no projeto. O único albergue até então era do estado e havia preconceito até pela localização. Hoje, a OAF assessora o movimento nacional de moradores de rua, participa do Fórum de Estudos sobre População de Rua, articula-se com a Pastoral de Rua de São Paulo, com o movimento dos catadores do estado e da cidade. Discutimos a implementação de uma metodologia de atenção à população de rua, não só assistência, mas sentir que as pessoas precisam encontrar um caminho para superar essa situação.

Cidadania-e - Como é a interface da OAF com o poder público?
Regina Maria Manoel
- Sempre fizemos parcerias, seja com o poder público, com o empresariado ou com a sociedade civil. Temos cinco repúblicas em parceria com o governo municipal. Nelas, as pessoas moram em pequenas casas onde se organizam para o trabalho, para seu dia-a-dia.


MARIO GRANGEIA
da Fundação Banco do Brasil

 
 
 

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